Opinião
JOSÉ ANTÔNIO LEMOS – O alvará das obras
A previsão era escrever sobre o aniversário de Mato Grosso que passou quase despercebido no último dia 09 de maio, contudo um acontecimento inusitado na semana passada forçou a mudança de assunto. O fato envolveu a denúncia da suposta ausência de Alvará de Obras para a ampliação de uma residência em Cuiabá. Tentando um recorte cirúrgico no assunto para ficar apenas no aspecto didático da questão urbanística que é o que interessa aqui, segundo o noticiário, noves fora os desmentidos e mentidos, um vereador teria recebido a denúncia e procurou os setores competentes da prefeitura, onde teria sido comprovada a inexistência do tal Alvará, em função do que teria sido marcada para a manhã seguinte uma visita da fiscalização municipal ao local e, segundo o vereador, com sua presença autorizada.
Ainda segundo o vereador, no dia seguinte a fiscalização não foi alegando que teria 5 dias de prazo para fazê-lo, e tendo comparecido ao local marcado em frente à obra, resolveu filmá-la externamente fazendo comentários para apresentar as imagens ainda na sessão da Câmara naquela manhã. Eis que durante a filmagem surgiu uma pessoa informando que não poderia filmar tomando-lhe a câmera, o que foi registrado no vídeo. A partir daí o assunto adquiriu outras conotações, com versões prá cá e prá lá, polícia no meio, ficando de lado a questão inicial, que foi a ausência ou não do Alvará de Obras.
Uso da evento restringindo-me ao lado didático da discussão, aproveitando que justo neste mês fiz dois artigos destacando que a cidade é o espaço da civilização, que por sua vez é condição essencial para a cidade existir com o homem civilizado fechando essa tríade como seu principal agente. A civilização é um estágio da evolução humana em que o homem aceita submeter-se a um arcabouço de instrumentos de controle como leis, normas, costumes, princípios e outros em favor da vivência coletiva, cuja obediência é do interesse de todos. Sem ele, nem a cidade, nem a civilização funcionam.
O Alvará de Obras é uma ferramenta básica de controle urbano, ainda que possa parecer ao leigo apenas uma firula burocrática na vida do cidadão. Na verdade, o Alvará é considerado a porta de entrada de todos os processos urbanísticos pois através dele qualquer tipo de intervenção física na cidade vai ser registrado após análises que avaliam se a intervenção pretendida obedece aos padrões estabelecidos para a cidade, ou seja, compatibilidade de uso e ocupação do solo, responsabilidades técnicas devidas, taxas de ocupação, permeabilidade do solo e uma série de outros critérios técnicos. Uma vez realizado, esse registro deveria ir ao cadastro multifinalitário onde estaria disponibilizado em mapas georreferenciados para efeito do planejamento e seu monitoramento, até que venha a ser substituído pelo “Habite-se”, outro instrumento fundamental de controle urbano. Não são firulas.
O episódio do Alvará de Obras em Cuiabá ocorreu na mesma semana em que se completava 1 mês da tragédia de Muzema com 24 mortos, tragédia evitável, como tantas outras, se a exigência legal do Alvará de Obras fosse cumprida pelos órgãos responsáveis diretamente por sua aplicação ou, indiretamente pela fiscalização de sua aplicação. Não é obrigatório à população em geral saber da importância da exigência do Alvará de Obras, mas cabe aos municípios fazê-la cumprir e às Câmaras e Ministérios Públicos fiscalizar seu cumprimento. Não é à toa que o vereador no centro deste salutar pampeiro é arquiteto e urbanista por formação, meu ex-aluno por sinal. Nem é assintomático que, segundo o noticiário, o dono da residência em ampliação seja o prefeito da cidade, que certamente se interessa em que o caso seja esclarecido.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é conselheiro do CAU/MT, acadêmico da AAU/MT e professor universitário aposentado.
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