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Opinião

CAIUBI KUHN – A educação e a transformação social pelo trabalho

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A educação é a melhor e maior ferramenta de transformação de um país. O processo entre a conclusão das etapas educacionais e inclusão em definitivo no mundo do trabalho é chamado de transição escola-trabalho. Normalmente, quanto maior o nível educacional que uma pessoa possui, maior a renda. O problema é que devido a realidade social do Brasil, muitas pessoas de baixa renda abandonam o sistema de ensino-aprendizagem de forma precoce e acabam limitados durante toda a vida a oportunidades de trabalhos restritas e, em geral, com uma remuneração baixa. Essa realidade poderia ser diferente caso as políticas de assistência estudantil, como casas de estudantes, bolsa moradia, restaurantes universitários e bolsas permanências, fossem fortalecidas, para permitir que jovens de baixa renda também possam fazer um curso técnico ou superior. Porém, ao invés de aumentar os recursos, o governo federal e o congresso realizaram mais um corte nesta importante política de transformação social, cortando também o sonho de muitos jovens.

A ampliação das políticas de suporte à transição escola-trabalho deveria ser uma pauta com capacidade de reunir segmentos desde a esquerda até a parte da direita. O motivo é simples, além dos aspectos sociais, existe uma correlação direta entre a produtividade e o nível de qualificação. Em geral, quanto mais qualificada a população de uma país, maior a produção por hora e maior o salário, ou seja, se queremos um Brasil com mais competitividade e igualdade, é fundamental garantir uma transição escola-trabalho onde o cidadão consiga no mínimo realizar um curso técnico.

Conforme o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), os recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil deveriam ser de R$ 1,5 bilhão, porém para esse ano será de apenas R$ 800 milhões. A falta de acesso a políticas que auxiliem os estudantes durante a graduação, faz com que muitos abandonem as universidades, devido a impossibilidade de conciliar estudo e trabalho.

O cenário se torna ainda mais crítico, quando considerado que o desemprego entre os jovens é muito maior que em outras faixas etárias. Sem uma formação especializada e com pouca ou nenhuma experiência, o acesso a um emprego se torna uma dificuldade. Existem aqueles que tentam empreender e criar alternativas de renda, porém a falta de qualificação também se torna um desafio para conseguir consolidar o negócio.

A pouca priorização dessas políticas por parte de governos, talvez se deva ao fato que os resultados proporcionados por ela são a médio e longo prazo, e ultrapassam os 4 anos eleitorais. Porém, para mudar a realidade social do Brasil precisamos garantir que independente da realidade social dos pais, que toda criança e jovem possa ter acesso a oportunidade de uma formação adequada, que garanta uma correta transição entre o universo do ensino-aprendizagem e ao mundo do trabalho.

Conforme dados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no Brasil, em 2018, uma pessoa com diploma universitário ganhava em média 2,5 vezes mais do que alguém que possui apenas o ensino médio. Se comprado com os países que compõem a OCDE, o brasileiro em geral é menos qualificado. Apenas 17% dos brasileiros com idade entre 25 e 64 anos possuem um curso superior, enquanto a média da OCDE é de 30,3%, a diferença se mantém na faixa etária entre 25 a 34 anos, com uma proporção de 19,7% e 36,7%, respectivamente.

Ao garantir uma transição escola-trabalho adequada o Brasil se torna mais competitivo, com salários melhores e com mais oportunidades e produtividade. Cada centavo investido nas políticas retornará por meio da ampliação a médio prazo da arrecadação de impostos. Sim, além de necessária, a ampliação de políticas de assistência estudantil dá retorno em termos de arrecadação para o próprio governo. Para entender essa afirmação é preciso imaginar dois cenários. Imagine um jovem de baixa renda, que não teria condições para cursar uma universidade sem o apoio das políticas de assistência estudantil. No cenário A, onde ele não teve acesso as políticas ele teria muito menos oportunidades de emprego e desenvolvimento social. No cenário B, ao ter acesso a um curso superior, ele teria uma renda média ao longo da vida duas vezes e meia maior que o cenário anterior. Se o governo apoiasse esse jovem com políticas de assistência estudantil, em uma análise simplista, a quantidade de impostos pagos por essa pessoa ao longo de toda vida, também será aproximadamente 2,5 vezes maior que o que ele pagaria caso não tivesse apoio das políticas governamentais.

Se você dúvida dessa análise, dou exemplo da minha própria experiência de vida. Venho de uma família de baixa renda, trabalho desde criança, até os 10 anos não tinha energia em casa. Aos 14 fui para Cuiabá, morar só e estudar no CEFET-MT. Os meus pais não tinham condições financeiras de me ajudar a me manter na capital de Mato Grosso. Os recursos para garantir minha alimentação, moradia entre outros gastos vinham de atividades laborais ou de políticas de assistência estudantil, que tiveram um papel fundamental para que eu conseguisse me formar. Hoje atuo como professor, pesquisador e faço um doutorado cotutela em duas instituições renomadas.

Todo jovem deveria ter o direito de sonhar e se qualificar, independentemente do nível social da família que pertence. Ao longo do período de estudo, conheci muitas outras pessoas com dificuldades parecidas e que tiveram apoio de políticas de assistência estudantil. Hoje, muitas delas estão em grandes empresas, universidades, algumas montaram seu próprio negócio, mas em geral, em todos os casos, é fácil ver as transformações sociais que foram realizadas pela garantia do acesso à educação e a uma formação qualificada. Eu e essas pessoas tivemos acesso a políticas públicas que mudaram nossas vidas. Mas quantos jovens no Brasil não conseguiram avançar nos estudos por falta de estrutura familiar ou apoio governamental?

O Governo Federal concede anualmente mais de 330 bilhões em incentivos fiscais para empresas, perto deste número, o valor investido em políticas de assistência estudantil é quase insignificante, não chega a 0,3%. Precisamos mudar essa realidade. As políticas de assistência estudantil precisam ser ampliadas. Redução não! O Brasil precisa garantir uma correta transição escola-trabalho para os jovens. Todos deveriam poder sonhar em ter acesso a uma formação qualificada e boas oportunidades de trabalho.

Caiubi Kuhn – Professor na Faculdade de Engenharia (UFMT), geólogo, especialista em Gestão Pública (UFMT), mestre em Geociências (UFMT), doutorando em Geociências (UNESP) e doutorando em Environmental Sciences (Tubingen University)

 

 

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