No interior das casas do século XVIII e inícios do século XIX, em Cuiabá, os objetos de armazenamento e uso de água potável manifestavam diversidades sociais, costumes. Eram potes, moringas, garrafões de vidro, jarras de louça, copos, copos velhos, copos de cobre, copos de vidro, canecas e copos de louça, copos de prata.
Nos anos 1780, por exemplo, na comissão demarcadora de limites definidos pelo tratado de Santo Ildefonso, eram usados “copos de vidro de quartilho e ½, ditos de quartilho, ditos de ½ quartilho” e “copos de vidro para água... com algumas garrafas”.
Resta saber se objetos idênticos ou similares eram à época acessíveis na esfera do privado, particularmente na Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá. Parece que sim. Em 1787 objetos similares eram arrolados na Vila Real.
Em 1794 eram garrafas de louça (...) dourada, garrafas de vidro verde, canecas de vidro branco da Índia e de vidro, bule de louça branca, copos grandes e pequenos, - arrolados na mesma vila. Em 1805, residências da vila do Cuiabá continham copos grandes de vidros, garrafas de vidro branco, garrafas pequenas de vidro.
Levantamento feito em inventários, entre 1791 e 1830, mostrou a existência de 21 copos, três cálices, quatro canecas e uma jarra. De um modo geral, os objetos utilizados para a ingestão de alimentos eram predominantemente de prata (313 casos), pós de pedra (91), louça da Índia (42), cobre (36), estanho (30), louça da fábrica (27), ferro (18) e vidro (15).
Na segunda metade do século XIX, alunos de escolas no bairro do Porto bebiam água armazenada numa talha: A escola tinha uma talha para água, mas, normalmente seca. Usavam, por isso, os alunos, levar uma garrafa de água e, quando ela acabava, era permitido ir o aluno até a beira do rio enchê-la novamente, conforme memórias de Dunga Rodrigues.
Adentrando ao Século XX, os alunos dos grupos escolares de Cuiabá portavam cantis com água para beberem durante as aulas que, hoje foram substituídos pelos bebedouros, ou em particular pela água potável engarrafada.
Em 1852 casas humildes de Cuiabá possuíam mobílias modestas como redes, e ao canto um pote de água potável fresca, conforme registros de Ponce Filho, em 1952.
Em 1879, um estabelecimento comercial na rua 7 de Setembro, junto à igreja do Senhor dos Passos, anunciava venda de louça, bules, e urinóis com ou sem tampa.
Na rua 13 de Junho n. º 64, vendiam-se pipas. Mas, trinta anos antes, pipas compunham espaços de residências, como era o caso da casa de Ana Luiza da Silva: uma pipa de piúva.
Ferro, cobre, estanho, prata, pó de pedra, louça de fábrica, louça da Índia, vidro, - essa diversidade de materiais, de tipos de produção, de formas e cores, sinaliza diferenciações no interior do ambiente urbano da vila e da cidade de Cuiabá.
Mas é claro que vasilhames feitos de cuias e cabaças, de madeira, de argila cozida estavam, também, muito presentes nas casas dos moradores mais pobres. Embora ainda seja difícil conhecer detalhes sobre a produção local de objetos para armazenamento e consumo de água potável, há registros de olarias na Vila Real do Bom Jesus, como nos anos 1760, quando olarias da vila ocupavam muitos escravos, produzindo telha, tijolo e mais louça, informa Carlos Alberto Rosa.
Na segunda metade do século XIX, o São Gonçalo Velho, próximo à confluência do Coxipó Mirim com o rio Cuiabá, era um dos lugares de fabrico da louça de barro, relembra Maria Adenir Peraro.
E, avançando o século, encontra-se maior número de olarias, como as onze existentes em 1863, de Antônio Carlos Pinheiro, Francisco de Assis Machado Bueno, João Jorge Bouret, José Antônio Murtinho, José de Oliveira Santos, José de Pinho Viégas, José Manuel Rodrigues, Manuel da Costa e Arruda, Miguel Caetano da Costa e Salvador Paes de Faria. E, mais tarde, a de Augusto Cartens, que funcionava em sua chácara do Ribeirão.
O primeiro hotel de Cuiabá, de propriedade do italiano Pascoal Ordano, na rua 13 de Junho, tinha o quarto de dormir “com uma cama com mosquiteiro, armadores para rede, três cadeiras, uma banheira, um moringue e mais não sei”.
Alonso José Barreto, irmão do padre Ernesto Camillo Barreto, quando chegou em Cuiabá se tornou comerciante próspero como proprietário de loja de secos e molhados na Rua Augusta, n° 50, atual Rua Pedro Celestino, centro histórico, em Cuiabá-MT, onde podia ser encontrado variado sortimento de vinhos, cerveja, licores, aguardente do reino, azeite doce, louça, chá, fogos da china, canelas, pimenta do reino, papel, livros em branco e etc.
O comércio no centro histórico, hoje em Cuiabá, se tornou uma aventura. As boas louças, os bons vinhos não existem mais por lá. Os poucos que estão ali vivem atormentados pelo abandono e rezam todos os dias por uma boa notícia. Torcemos para que governos estadual e municipal priorizem o centro histórico.
Hoje a água viaja pelas adutoras, redes de água, canos até a nossa casa. Os vasilhames encontramos em casas de artesanatos e loja especializadas na cidade.
Neila Barrerto é jornalista, mestre em História e membro da AML e atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso