De início, sobreleva considerar que a criação de uma nova Vara Especializada no âmbito do Tribunal de Justiça Mato-grossense, compete ao Conselho da Magistratura, com fundamento no art. 96, III, “d”, da Constituição Estadual, art. 125, §1º, da Constituição Federal, art. 97, §1º, da LOMAN e art. 28, XI, do Regimento Interno do TJ/MT.
O setor do agronegócio representa mais de 23% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, sendo Mato Grosso o líder do ranking nacional entre as federações nas quais a produção agrícola mais contribui para a arrecadação, pois, dos 100 municípios mais ricos no agronegócio, 36 pertencem ao estado.
Mato Grosso lidera o ranking dos estados na exportação de commodities, sendo que de janeiro a novembro de 2024 foram gerados 25,95 bilhões de dólares com a exportação de 161 tipos de produtos para 157 países, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Industria, Comércio e Serviços (MDIC).
Entre as maiores produções do estado está a soja. De acordo com o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), Mato Grosso produz 30% de toda a soja produzida no país, superando em mais de 30% toda a soja produzida na Argentina, por exemplo. Se Mato Grosso fosse um país, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), passaria a ser o segundo maior produtor mundial de soja, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Mato Grosso é também o maior produtor de algodão do país, com produção estimada em 6,5 milhões de toneladas (caroço + pluma) para a safra 2024/2025, o que representa cerca de 69,3% da produção nacional.
Os expressivos números não se restringem à agricultura, sendo apresentados também na pecuária. Mato Grosso fechou o ano de 2024 mantendo-se como o maior rebanho do país, com 32,83 milhões de cabeças de gado, o que representa quase 15% do rebanho brasileiro. No último ano, essa atividade econômica teve um crescimento de 3,73% somente no estado.
Todas essas informações dão conta da importância do agronegócio para o estado, o que ganha maior relevo quando associado às cadeias produtivas complexas, que são responsáveis por ganhos de competitividade e inovação da economia brasileira, desde a biotecnologia até a comunicação via satélite. Desse modo, tem contribuído como agente dinamizador da economia, produzindo alimentos tanto para o consumo das famílias brasileiras como para a exportação, sendo essencial para que a balança comercial brasileira alcance superávit nas relações com o resto do mundo.
Assim, quando são analisados os ramos do direito que dialogam diretamente com o setor empresarial, como o Direito do Agronegócio, deve ser dada especial atenção à segurança jurídica como um dos pilares desse subsistema jurídico, pois é sabido que a confiança dos investidores é requisito necessário para que um país atraia investimentos produtivos e possa se desenvolver.
Portanto, fixada a importância do agronegócio para a economia local e nacional, passaremos a discorrer sobre as dificuldades do Poder Judiciário, dos produtores, das empresas do agronegócio e dos advogados, quando o tema é a busca por uma tutela jurisdicional efetiva e eficiente.
O aumento assombroso do número de ações que envolvem contratos rurais em geral e as mais diversas espécies de títulos de crédito rural como: Cédula Rural Pignoratícia (CRP); Cédula Rural Hipotecária (CRH); Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária (CRPH); Nota de Crédito Rural (NCR); Nota Promissória Rural (NPR); Duplicata Rural (DR); Cédula de Produtor Rural (CPR) Física; Cédula de Produtor Rural (CPR) Financeira; Programa de Geração de Emprego e Renda – Proger Rural; Financiamento de Máquinas e Equipamentos Rural (Finame Rural); Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), exige que os feitos se concentrem em uma unidade jurisdicional específica, de modo a evitar decisões e entendimentos antagônicos sobre a mesma matéria, prejudicando não somente o produtor rural e, por consequência, a cadeia produtiva, mas também o próprio Poder Judiciário com aumento desnecessário do número de recurso e outros instrumentos que exigirão uma maior atividade judiciária.
A resolução célere de demandas que envolvem tais títulos de crédito, principalmente por meio da autocomposição, fomenta a continuidade das relações negociais entre os produtores e as instituições financeiras, não permitindo a paralização das atividades do campo.
Também, se faz de extrema importância que sejam reunidos somente em uma Vara Judicial, os feitos afetos aos Contratos de Arrendamento, Parceria Rural e Comodato, Contratos de Compra e Venda, Cessão de Direitos etc., não se descurando das ações de cunho fundiário, como as possessórias e petitórias, desde que não envolvam conflito agrário pela posse de terras, mas que de alguma forma interfiram diretamente na atividade produtiva da propriedade.
Ainda sobre o tema fundiário que assola o estado de Mato Grosso há muitas décadas, se faz imprescindível que os feitos judiciais que envolvam a regularização fundiárias de imóveis rurais (regularizações de ocupação - INTERMAT e usucapiões), principalmente aqueles em que há atividade agrícola, tramitem concentrados em uma unidade judicial específica, evitando assim a prolação de decisões antagônicas sobre temas idênticos e por juízes diferentes, bem como a morosidade na resolução dos feitos dessa espécie.
O mesmo deve se aplicar às demandas que versam sobre o Direito do Meio Ambiente em áreas de produção agrícola, como as Ações Civis Públicas propostas pelo Ministério Público e demais ações ordinárias que de alguma forma venham a impactar na cadeia produtiva, haja vista que invariavelmente as medidas administrativas adotadas pelo órgão ambiental paralisam a atividade produtiva por tempo indeterminado, gerando prejuízos irreversíveis, necessitando da análise por um Juiz com o conhecimento técnico necessário e específico, além de experiência para não permitir abusos de direito, seja na esfera administrativa ou judicial.
Outro ponto muito importante está no crescimento abrupto do número de ações de recuperação judicial, cuja complexidade é inerente, mormente por envolver um grande vulto de valores e patrimônio, que acabam desaguando em uma única unidade jurisdicional que já se encontra abarrotada de processos que versam sobre a recuperação e falência de empresas ligadas a todo e qualquer ramo empresarial, não guardando a necessária especialidade técnica com o tema do agronegócio, tornando ainda mais morosa a tramitação dos feitos, gerando ainda mais prejuízos ao produtor recuperando, aos credores, ao fisco e por final à economia, sem falar na insegurança jurídica.
Nesse contexto ressalta-se a importância de uma Vara Judicial especializada, que conheça o posicionamento do ordenamento jurídico quanto a temas relevantes desse setor e possa prestar uma tutela jurisdicional adequada. Pode-se até afirmar que, diante do grande plexo de normas nacionais e internacionais que abrangem o Agronegócio, a reunião dessas demandas em um Juízo especializado, se faz de suma importância.
Por sua vez, o grande número de subsistemas jurídicos que produzem efeitos no Agronegócio torna a defasagem legislativa um dos principais desafios dos Juízes que tenham que lidar com os conflitos da área.
É que naturalmente o Poder Legislativo, onde devem ser travados debates democráticos muitas vezes demorados e o processo legislativo que possui diversas formalidades essenciais, não acompanha o ritmo da mudança em uma sociedade cada vez mais complexa e na qual o tempo se torna fator cada vez mais escasso, o que é facilmente verificável em um setor dinâmico e inovador como o Agronegócio.
São fatores que exigem qualificação especializada, de modo que o Magistrado condutor tenha a expertise de, diante da defasagem legislativa, buscar suprir as lacunas dentro do direito consuetudinário, a partir da experiência que se alcança na prática, com a observação da realidade das relações jurídicas decorrentes do agronegócio, o que se alcança somente com a constância na análise das demandas dessa natureza e com estudos específicos.
Em síntese, além do conhecimento técnico/jurídico, se torna essencial que o Juiz também construa uma relação de intimidade com a matéria afeta aos conflitos do agronegócio, para que não se distancie da realidade do Produtor, além dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade no momento de decidir.
O Novo Código de Processo Civil, em que pese a sua generalidade, modificou diversos mecanismos que refletem diretamente nas empresas do agronegócio. Por exemplo, o inegável incentivo à solução consensual dos conflitos por meio da mediação, arbitragem e conciliação que já eram frequentes no mundo empresarial, que exige uma rápida solução dos conflitos em contraponto à morosidade do Judiciário para entrega da tutela definitiva.
Inclusive, podem as partes, quando permitido, estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Contudo, para que as diretrizes da Lei Processual possam ser colocadas em pauta, se faz imprescindível a existência de uma Vara Especializada, não apenas na sua formação jurídica, mas também estrutural.
No que concerne à Comarca destinada a receber a Vara Especializada de Direito do Agronegócio, não há como negar que o município de Sorriso, além de ser um grande polo do agronegócio nacional, apresenta situação geográfica estratégica por estar situado no médio-norte mato-grossense, região em que se concentram os maiores polos econômicos daquela macrorregião, que ainda conta com as cidades de Sinop e Lucas do Rio Verde, além da proximidade com os produtores da Região Norte, considerada a região mais isolada do resto do território, mas que tem a BR 163 como uma importante via de acesso à Sorriso.
Diante dos dados e das considerações tecidas, a criação de uma Vara Especializada se afigura como medida apropriada no sentido de se garantir a segurança jurídica necessária aos produtores rurais, empresas e instituições bancárias, bem como trazer celeridade e eficiência à prestação jurisdicional afeta ao Agronegócio.
Leandro Facchin é advogado, ex-vice-presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-MT, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), sócio/proprietário de escritório especializado em direito agrário, agronegócio e ambiental