GONÇALO ANTUNES DE BARROS

Ilusões

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Ilusões

Há enormes dificuldades para certas pessoas de entenderem a beleza da igualdade e do respeito à alteridade. Se estão em grupo, querem ser o maioral; se em determinada povoação, seu líder absoluto. Nunca estão contentes com a civilização e, se necessário for, destruirá seus pilares para manter viva a chama de seu egoísmo.

O engraçado que, normalmente, são consideradas pessoas empreendedoras, mas na primeira oportunidade pedem recuperação judicial de sua empresa tão logo o estado seca seus dividendos, dificultando o acesso a incentivos fiscais ou empréstimos bancários a juros subsidiados. 

Vespasiano nasceu numa terra de sonhos reprimidos e silêncios velados, chamada Eufrásia. Pequena cidade escondida entre colinas, seus habitantes se dividiam entre o amargo trabalho no campo e o ameno conforto das varandas senhoriais, onde a elite repousava sobre o suor alheio e o dinheiro fácil vindo dos cofres públicos.

Desde cedo, Vespasiano percebeu a contradição daquela terra, onde os mesmos que bradavam pela liberdade econômica e pelo esforço próprio eram os que mais dependiam das benesses estatais: empréstimos a juros baixos, incentivos fiscais e perdões de dívidas acumulavam-se em seus balanços como coroas de louro sobre suas cabeças altivas.

Com o tempo, o jovem se fez poeta e escritor, desenvolvendo um pensamento crítico tão afiado que cortava o vento quando ele falava. Mas Vespasiano não se contentava em pensar; ele escrevia. Publicava artigos no jornal local e pendurava panfletos no centro da praça, onde, em versos mordazes, denunciava a hipocrisia dos donos da cidade.

Seus poemas ecoavam como gargalhadas discretas em salões bem adornados, onde os poderosos liam e rangiam os dentes, odiando o garoto que, sem fortuna ou linhagem, ousava expô-los ao ridículo. Um dos textos mais célebres chamava-se 'O Canto do Leão Mansueto', em que narrava a vida de um predador que rugia feroz, mas se alimentava da ração dada pelo tratador, enquanto se gabava de sua independência.

Mas os habitantes da Eufrásia não estavam prontos para ouvir. A maioria continuava aplaudindo os discursos cheios de autoridade e tradição, onde os donos das grandes lavouras eram saudados como heróis por sua 'coragem empreendedora'. A ironia de Vespasiano cortava fundo, mas sua lâmina nunca atingia o coração dos eufrásios, que, na eleição seguinte, reconduziram os mesmos caciques ao poder.

Vespasiano, já amadurecido pela solidão que o pensamento crítico às vezes impõe, viu-se cada vez mais distante daquelas mentes submissas, e seu sonho de despertar um levante se dissipou como névoa. Ele permaneceu em sua casa humilde, escrevendo para si, para a eternidade talvez. Suas palavras, contudo, continuaram ecoando na alma de alguns poucos – aqueles que, mesmo na derrota, entenderam que o grito dos excluídos não é um pedido de ajuda, mas um manifesto contra o silêncio conivente.

Assim, Vespasiano fincou sua existência como poeta do inconformismo, não conquistando a multidão, mas fincando na história o nome de quem ousou rugir contra os leões mansuetos de Eufrásia.

Onde estão os intelectuais a exortar à reflexão crítica? A apontar o dedo para os problemas do país e encaminhar a pauta para as discussões profundas sobre o futuro do país? 

Os rudes ricos e de tomada de decisões simples em casos complexos estão a cavalheiros no país, que nunca será o país deles, pois sua bandeira é o cifrão. Que Vespasiano consiga despertar paixões fortes, um dia...

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito