Domingo é o dia da saudade. Não é à toa que tanta gente o associa a uma espécie de melancolia discreta, mas persistente. Nem chega a ser tristeza profunda — é mais como uma névoa emocional que paira sobre o fim de tarde, quando o sol já desce e o coração parece desacelerar para entrar na lógica funcional da segunda-feira.
Para muitos, o domingo tem gosto de espera: um intervalo suspenso entre o descanso e a obrigação. O dia começa devagar, cheio de promessas de lazer, e termina com a contagem regressiva e silenciosa para o retorno à rotina. O almoço de família, o futebol na TV, o barulho distante da cidade menos agitada, tudo isso compõe uma estética do domingo que é, ao mesmo tempo, reconfortante e melancólica.
Por que será que esse dia, criado como sinônimo de repouso, costuma trazer consigo um sentimento vago de perda?. A resposta talvez esteja no modo como vivemos o tempo. Em um mundo organizado por produtividade, metas e eficiência, o domingo é um território ambíguo: não serve exatamente para produzir nem para se desligar por completo. Ele nos coloca frente a frente com o tempo livre — e isso pode ser desconcertante.
O filósofo Pascal dizia que “a infelicidade dos homens vem de uma única coisa: não saberem ficar quietos em seus quartos”. Talvez o domingo nos confronte justamente com esse silêncio que não sabemos habitar. Sem e-mails urgentes, sem a lógica da aceleração, sobra o que muitas vezes falta: espaço para olhar para si. E isso exige coragem.
Há quem ocupe esse vazio com maratonas de séries, redes sociais ou tarefas domésticas. Outros tentam alongar o sábado, esticando festas e encontros até que o domingo quase desapareça. Mas ele sempre retorna, com sua calma forçada e seus ritmos irregulares. O domingo, ao contrário da sexta, não promete aventura. Ele convida à introspecção e, às vezes, ao incômodo.
Mas será que ele precisa ser assim?. Podemos reimaginar o domingo como um tempo de criação, e não apenas de espera?. Há quem descubra, nesse dia silencioso, uma chance rara de fazer coisas que a semana atropela: caminhar sem pressa, ler um livro sem culpa, cozinhar com cuidado ou escrever algo. O domingo pode ser uma pausa para o sensível, para o gratuito, para aquilo que não cabe nas planilhas da produtividade.
Transformar o domingo é, em alguma medida, transformar a relação que temos com o tempo. É reivindicar um modo de estar no mundo menos apressado, mais atento, mais humano. Ao invés de vê-lo como um fim, talvez possamos enxergá-lo como um começo. Um espaço para inventar rituais próprios, longe das obrigações sociais e das pressões da semana.
E aqui entra uma dimensão que não pode ser ignorada: o domingo também é, para milhões de brasileiros, um dia de trabalho. Para entregadores, profissionais da saúde, do transporte e do comércio, o domingo não traz descanso, mas deslocamento. Isso nos convida a ampliar a noção de descanso como um direito — não como privilégio. Reimaginar o domingo passa também por imaginar uma sociedade mais justa, onde o tempo livre seja um bem comum, não um luxo de poucos.
Ainda assim, mesmo entre aqueles que descansam, há um desafio existencial: dar sentido ao tempo livre sem o preencher apenas com distrações. O domingo pode ser um espaço de escuta: escuta de si, do outro, do mundo ao redor. Pode ser o dia em que finalmente paramos para perceber as plantas da varanda, o cheiro do café, o som da chuva no telhado.
Não se trata de romantizar o tédio, mas de reconhecer que a vida não se sustenta apenas de urgência. A beleza de um domingo bem vivido está justamente na sua simplicidade: um tempo em que não precisamos ser produtivos, úteis ou interessantes — apenas presentes.
Talvez nunca deixemos de sentir certo peso nas tardes de domingo. Ele faz parte da nossa paisagem afetiva, como uma música antiga que insiste em tocar no fundo da memória. Mas podemos aprender a acolher essa melancolia com gentileza e, quem sabe, transformá-la em gesto, em cuidado, em leveza.
O domingo não precisa ser o fim de nada. Pode ser um espaço sagrado, íntimo, poético. Basta que o habitemos com presença e escolha. Talvez a tristeza dos domingos não esteja no domingo em si, mas no modo como aprendemos a viver o tempo. E isso, felizmente, pode ser reinventado — semana após semana.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto é formado em Filosofia, Sociologia e Direito