GABRIEL NOVIS NEVES

Tardes de preguiça nas redes

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Tardes de preguiça nas redes

Uma das coisas que eu mais gostava de fazer, antes de viajar para o Rio de Janeiro, era passar as tardes preguiçosas deitado na rede do meu quarto.

De olhos semicerrados, pensava no que me aguardava longe de casa: a difícil prova do vestibular, com candidatos vindos de todo o Brasil.

Naquela época existiam apenas catorze faculdades de Medicina, concentradas no Sul do país, e mais cinco espalhadas por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Ceará.

Quase todas públicas — e de qualidade.

Hoje, são quatrocentas e quarenta e oito em funcionamento, a maioria particular.

Para esquecer o peso do futuro, buscava o balanço compassado da rede.

Ela embalava conversas, cochilos e pensamentos.

Muitas vezes chegava a adormecer, apesar da responsabilidade que me aguardava.

Aqui o ensino era fraco, mas o esforço dos alunos era tanto que superávamos os obstáculos.

Nas pensões em que morei nunca encontrei as redes cuiabanas; substituías por medicamentos que afastavam o sono.

Naquele tempo não se exigia receita médica para adquiri-los e muitos eram indicados pelos próprios balconistas das farmácias.

Foi assim com Anísio Silva, da Farmácia Jacy, no Catete — que mais tarde se tornaria cantor popular e ídolo nacional na Rádio Nacional, gravando sucessos perfeitos para se ouvir deitado numa rede.

A rede cuiabana, fabricada também em Várzea Grande, é até hoje símbolo da nossa cultura.

Quando reitor da UFMT, eu costumava presentear visitantes ilustres com uma bela rede confeccionada por famílias de artesãs várzea-grandenses.

Lembro-me de Jarbas Gonçalves Passarinho, ministro da Educação, nascido em Xapuri, no Acre, e educado em Belém do Pará.

Oficial do Exército e político versátil, foi governador do Pará, senador, ocupou vários ministérios e acabou fixando residência em Brasília.

A rede que lhe dei, ele mandou instalar na sacada do apartamento.

Ali repousava, recebia visitas para conversar e também curtia as suas tardes de preguiça.

Hoje, o cuiabano perdeu o hábito de ter redes em casa.

Prefere ir ao shopping para refrescar a cabeça e descansar.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado