GABRIEL NOVIS NEVES

Sons da cidade

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Sons da cidade

Todas as cidades têm os seus sons.

Da minha guardo na memória os barulhos da madrugada.

Era o tilintar das ferraduras e o ranger das rodas de madeira das carroças.

Esses sons, presentes até hoje nos meus sonhos, acordavam e embalavam a cidade ainda adormecida.

Cuiabá era uma cidade rural na minha infância — dependia do trabalho do homem do campo para sobreviver.

Nos arrabaldes, especialmente do lado do Porto, existiam chácaras que forneciam leite à cidade.

Esse serviço era feito de madrugada pelos peões.

Latões de cobre, com vinte litros cada, traziam o leite que abastecia parte da população.

Eram transportados em carroças pelas ruas de pedras e paralelepipédicos, produzindo o tilintar das ferraduras dos animais e o ranger das rodas de madeira.

Lembro-me bem da carroça que vinha da chácara do seu Mário Esteves, trazendo vinte litros de leite para a sorveteria do bar.

O leite era fervido no fogão de lenha da minha casa da Rua de Baixo, e, depois transportado para a sorveteria.

Minha mãe acordava cedo e com o auxílio do meu pai e de uma funcionária, carregava o latão de leite até a cozinha, onde era colocado em vasilhames para ferver.

Em seguida voltavam a adormecer.

As carroças tinham um barulho peculiar, assim como os carrinhos de madeira com rodas de madeira.

Estes abasteciam a cidade com verduras e legumes vindos do cinturão verde do Porto, às margens do rio Cuiabá.

O cuiabano nunca foi muito apreciador de verduras, e o carrinho de verdura carregava também rapadura, farinha fina, pote, colher de pau para a cozinha, carne seca e quase sempre uma folha de alface.

Guardo com saudade esses sons que me despertavam de madrugada.

Como gostaria de poder ouvi-los novamente!.

O tempo passou!.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado