GABRIEL NOVIS NEVES

Sob a sombra das mangueiras

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Sob a sombra das mangueiras

Fui criado em um casarão na rua do Campo com fundos voltados para a rua da Fé.

Seu quintal era imenso.

Além de ser o local preferido para os brinquedos da infância, suas árvores frondosas e frutíferas ofereciam abrigo contra o sol causticante de Cuiabá.

Lembro-me dos mangueirais, com os mais variados tipos de manga. 

A minha predileta era a bourbon, chupada no galho mais alto da árvore.

Como era gostoso chegar com fome das aulas do Colégio dos Padres, deixar os sapatos na varanda de casa e correr para o quintal, onde matava a fome com mangas maduras colhidas no pé — sem deixá-las amassar!.

Até hoje sonho com o meu quintalão, com suas jabuticabeiras doces, goiabeiras, atas, pitombas, cajás, cajus, melancias... e sua generosa sombra.

Ali, exercíamos a criatividade juvenil, construindo brinquedos de barro com casas, estradas, pontes e rios.

Explosão de risos — e também de castigos.

Era o cenário das festas juninas, com fogueiras e danças típicas e também das partidas, quase sempre para estudar.

Quando retornei dos estudos já não encontrei o quintalão da casa onde cresci.

Em seu lugar havia sido construída uma casa assobradada.

Eu perdera um dos grandes marcos da minha infância.

Anos depois, a própria casa foi demolida, dando lugar a um estacionamento de automóveis.

Hoje, aos noventa anos, moro em uma cidade totalmente descaracterizada daquela em que nasci e cresci — e que tanto amava!.

As casas dos meus avós foram ao chão, e até o prédio do bar do meu pai tornou-se irreconhecível.

Perdi minha identidade histórica com os lugares onde tudo começou.

É uma cidade sem risos.

E as partidas de seus filhos não são mais celebradas com as despedidas dos familiares e da vizinhança.

Também desapareceram os casarões —e com eles, seus quintalões.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado