GABRIEL NOVIS NEVES

Sapatos engraxados

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Sapatos engraxados

Como tenho mais assuntos para escrever sobre o passado, às vezes me torno até repetitivo.

Escrevendo num domingo pela manhã, lembro-me do ritual de engraxar os sapatos antes das missas ou dos passeios de fim de semana.

Vivi parte da minha infância e juventude observando o trabalho dos engraxates e os costumes da minha gente naquele tempo.

Poucos tinham o hábito de limpar os sapatos em casa.

Na caminhada de seus bairros até o centro da cidade—centro de convivência da antiga capital — os calçados precisavam estar brilhando.

Como sinto saudades da cidade rural em que nasci e tanto amava!

Assistia às missas na Catedral, tinha aulas de catecismo, ajudava nas celebrações em latim, com o celebrante de costas para os fiéis.

Depois, ainda com a roupa da missa, jogava futebol descalço no galpão de chão batido atrás do prédio do Palácio da Instrução.

Isso foi até os meus dez anos, quando comecei a frequentar o Colégio Salesiano São Gonçalo, o colégio dos padres.

Lá, assistia às missas, comungava e passava os domingos brincando no Oratório Festivo Dom Bosco.

Os fiéis que vinham daqueles bairros para a igreja chegavam sempre com os sapatos bem polidos.

Hoje, aos domingos, o centro da cidade é deserto.

As pessoas preferem permanecer em seus bairros, muitos distantes, e o centro —outrora vivo — está morrendo.

Precisa de um projeto de revitalização urgente, como presente às novas gerações.

O domingo me faz reviver tudo isso, inclusive os ternos brancos engomados pelas famosas lavadeiras e passadeiras do Baú.

Nos dias atuais, os calçados nem sempre são de couro a exigir brilho.

Tênis-sapato, tênis fechado, quando não sandálias, são os calçados da vida moderna.

Hoje é domingo de recordações.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado