A Usina Hidrelétrica (UHE) Colíder, localizada no rio Teles Pires, está sob alerta técnico e ambiental. Relatório elaborado pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), por meio do Centro de Apoio Técnico à Execução Ambiental (CAEx Ambiental), identificou uma série de falhas estruturais na barragem e impactos ambientais significativos. A usina, que opera desde 2019 com potência instalada de 300 MW, integra o Complexo Teles Pires, junto a outras três hidrelétricas.
Durante vistoria realizada entre os dias 22 e 27 de agosto de 2025, foram constatadas falhas críticas no sistema de drenagem da barragem. Dos 70 drenos avaliados, 14 não possuem piezômetros e 55 estão sem peneiras para análise de turbidez, dificultando o monitoramento da pressão interna e da presença de sedimentos.
Além disso, 18 drenos apresentaram carreamento de materiais, cinco romperam e três foram tamponados por segurança. A recorrência dos eventos em intervalos cada vez menores confirma a progressão da erosão interna, conhecida como piping, um dos principais mecanismos de falha em barragens de terra e enrocamento.
Como medida emergencial, a Eletrobras iniciou o processo de rebaixamento do nível do reservatório em agosto. A operação, no entanto, gerou impactos ambientais relevantes, especialmente sobre a fauna aquática (população de peixes).
Foram registrados episódios de mortandade de peixes em áreas ensecadas, com resgate de mais de 22 mil indivíduos vivos e recolhimento de 1.541 mortos, totalizando mais de 212 quilos de biomassa perdida (total dos peixes mortos recolhidos). Espécies como carás, tuviras, mussuns e lambaris foram encontradas em avançado estado de decomposição, em poças isoladas com alta temperatura e baixa concentração de oxigênio.
A análise da qualidade da água revelou níveis de oxigênio dissolvido abaixo de 4 mg/L em diversos pontos do reservatório, com registros críticos inferiores a 2 mg/L, configurando estresse ecológico. A presença de vegetação não suprimida no leito do reservatório, autorizada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) em desacordo com pareceres técnicos e normas da Agência Nacional de Águas (ANA), contribui para a deterioração da qualidade da água.
Entre 2014 e 2020, foram registrados ao menos seis episódios de mortandade de peixes no rio Teles Pires, diretamente relacionados à operação das usinas hidrelétricas da bacia, incluindo a UHE Colíder.
Somente em 2014, durante a instalação da usina, mais de 50 toneladas de peixes morreram em decorrência da operação das turbinas. Em 2017, houve nova mortandade durante o enchimento do reservatório, e um ano depois outros dois mil quilos foram perdidos em testes de geradores. O prejuízo total supera 89 mil quilos de biomassa, sendo a maior parte atribuída à UHE Colíder.
Doutora em Ecologia em Recursos Naturais, Luciana Ferraz, que é também membro do Conselho Estadual de Pesca do Estado de Mato Grosso (Cepesca), lembra que a mortandade de peixes reflete também na segurança alimentar. “Os peixes mortos nas usinas poderiam ser utilizados como pescado na alimentação humana. Privou de abastecer e dar segurança alimentar a sociedade neste intervalo de seis anos”. Cálculo feito com base em pesquisas científicas aponta que as 89 toneladas perdidas seriam suficientes para fornecer pescado para 2.687 pessoas durante todo aquele período de seis anos (2014/2020), evidenciando um grave desperdício de recursos e uma falha na gestão.
O relatório também aponta prejuízos econômicos em empreendimentos turísticos e pesqueiros, com cancelamento de reservas e perda de acesso à lâmina d’água. Moradores da região manifestaram preocupação com o aumento do nível do rio, provocado pela intensificação da vazão defluente. A Zona de Autossalvamento (ZAS), área que deve ser evacuada em caso de emergência, possui 181 edificações, das quais 131 estavam ausentes durante as visitas de campo, comprometendo a efetividade das ações de comunicação. O sistema de alerta sonoro, limitado a sirenes móveis, é considerado frágil.
O relatório técnico recomenda a elaboração de estudo que avalie, entre outras alternativas, a desativação ou descaracterização da UHE Colíder, conforme previsto na Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334/2010). A ausência de diagnóstico conclusivo sobre a origem dos problemas e a falta de avaliação integrada dos impactos cumulativos das usinas do rio Teles Pires reforçam a necessidade de revisão estratégica do empreendimento.
A perícia foi realizada pela bióloga, doutora em Ecologia e Conservação da Biodiversidade, Mayara Fioreze Zucchetto; pelo geólogo, doutor em Geociências, Edvaldo José de Oliveira; e pelo engenheiro civil, Bruno Moreira dos Santos Zuchini. O procurador de Justiça da 11ª Procuradoria de Justiça e coordenador do Centro de Apoio à Execução Ambiental (CAEX Ambiental), Gerson Barbosa, destacou a importância do trabalho técnico.
“Com base em análises geológicas, hidrológicas e biológicas, conseguimos identificar com precisão os riscos estruturais da UHE Colíder e os impactos ambientais decorrentes da operação da usina. Trata-se de um documento robusto, que orienta decisões estratégicas e reforça a necessidade de medidas preventivas e corretivas urgentes”, ressaltou o procurador.
Desde o anúncio do rebaixamento controlado do reservatório, o processo vem sendo acompanhado de forma contínua pelo MPMT, por meio da 11ª Procuradoria de Justiça e das Promotorias de Justiça Cível de Colíder, Nova Canaã do Norte, Itaúba e Cláudia.
“A atuação conjunta das Promotorias das comarcas impactadas é essencial para assegurar que os riscos sejam devidamente mitigados e que os direitos das comunidades locais sejam respeitados. Estamos acompanhando cada etapa do processo com rigor técnico e compromisso institucional”, destacou a promotora de Justiça Graziella Salina Ferrari, de Colíder, que conduz o inquérito civil instaurado para apuração dos fatos em conjunto com os promotores de Justiça Álvaro Padilha de Oliveira, Edinaldo dos Santos Coelho e Márcio Schimiti Chueire.