A declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que há um “abusozinho” no uso da recuperação judicial em determinados setores, reacende um debate que precisa ser feito com equilíbrio e responsabilidade. O aumento dos pedidos de recuperação judicial, especialmente no agronegócio, é um reflexo direto de fatores econômicos e climáticos adversos, e não necessariamente de má-fé ou uso indevido do instrumento.
É inegável que os números cresceram. Segundo levantamento da Serasa Experian, o agronegócio registrou aumento de 31,7% nos pedidos de recuperação judicial no segundo trimestre de 2025, totalizando 565 solicitações. Mas é preciso contextualizar: o setor enfrentou a quebra da safra 2023/2024, margens de lucro cada vez mais estreitas e um ambiente de crédito estrangulado pela taxa Selic de 15% ao ano — uma das mais altas do mundo. Some-se a isso os altos custos de insumos e a queda nas cotações de commodities, e temos o cenário perfeito para o desequilíbrio financeiro.
A recuperação judicial, prevista na Lei nº 11.101/2005, não é um privilégio, tampouco um artifício para driblar credores. É um instrumento legítimo, criado para dar fôlego às empresas que enfrentam dificuldades momentâneas e preservar sua função social — manter empregos, recolher tributos e continuar produzindo riqueza. Sem ela, muitas empresas que hoje voltaram a crescer teriam simplesmente fechado as portas.
Isso não significa ignorar eventuais distorções. Se há abusos, que sejam apurados e punidos com rigor. Fraudes processuais, manipulação de informações contábeis ou conluios com consultorias e agentes judiciais não apenas desrespeitam a lei, como também prejudicam todo o sistema, inclusive quem age de boa-fé. A punição deve ser pontual e exemplar, mas nunca coletiva. Colocar um setor inteiro sob suspeita é um erro que penaliza a economia e destrói a confiança dos investidores.
O agronegócio brasileiro, responsável por boa parte do PIB e das exportações nacionais, vive hoje um paradoxo: mesmo com safras recordes e alta produtividade, a rentabilidade despenca. O aumento das recuperações judiciais entre empresas da cadeia de suprimentos — revendas, transportadoras, armazenadoras — mostra que a crise é estrutural, e não oportunista.
É fundamental compreender que a recuperação judicial é, antes de tudo, um instrumento de política econômica. Ela dá às empresas uma segunda chance de se reorganizar, negociar com credores e continuar gerando empregos e impostos. A falência, ao contrário, destrói cadeias produtivas inteiras, desampara trabalhadores e reduz a capacidade de arrecadação do Estado.
O papel do Poder Público deve ser o de aperfeiçoar o sistema, não desacreditá-lo. Investigar casos suspeitos é necessário; deslegitimar o instrumento é perigoso. O que o Brasil precisa é de crédito mais acessível, juros compatíveis com a realidade produtiva e segurança jurídica — não de desconfiança generalizada.
A recuperação judicial não é o problema. É parte da solução. Em tempos de incerteza econômica, ela continua sendo um dos pilares da preservação da atividade empresarial, da manutenção de empregos e da estabilidade social. Demonizar o instrumento é, em última análise, negar às empresas brasileiras o direito de lutar pela própria sobrevivência.
Luiz Cristaldo é Economista e Auditor. Pós- graduado em Direito Empresarial com ênfase em Recuperação Judicial pela Universidade Cândido Mendes/ RJ, com MBA pela Fundação Getúlio Vargas/ RJ. Atualmente ocupa o cargo de diretor do IBAJUD, e é sócio da Zapaz Consultoria Empresarial