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Polícia Federal investiga fraudes em empréstimos consignados de servidores em MT

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Polícia Federal investiga fraudes em empréstimos consignados de servidores em MT

Mariana Barbosa/UOL - O crédito consignado de servidores públicos do estado de Mato Grosso está na mira do Ministério Público e da Polícia Federal — e envolve práticas fraudulentas que podem estar acontecendo também em outros estados.

A investigação partiu de uma denúncia contra a Capital Consig, grupo que fatura R$ 60 milhões ao mês com crédito consignado e também atua em convênios com INSS, com o poder público em outros estados e municípios e no consignado do setor privado.

Uma leva adicional de oito instituições deve ser alvo de novas denúncias nos próximos dias em Mato Grosso, envolvendo concessão de crédito no cartão benefício.

As denúncias revelam uma prática de fraudes que pode colocar em risco até mesmo Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC) emitidos por gestoras da Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo. São FIDCs lastreados nos contratos de crédito concedido pelas instituições. Se os segurados passarem a contestar os valores de contratos, os investidores que compraram papeis emitidos por FIDCs podem vir a tomar calote.

Em Mato Grosso, a Capital Consig opera na modalidade cartão consignado. Em boa parte dos casos apresentados na denúncia, o cliente recebeu um valor na conta registrado como "saque no cartão" mesmo sem ter recebido o cartão propriamente. As parcelas eram descontadas como uma operação normal de crédito.

Como funciona o cartão consignado?

É um cartão que funciona como os cartões de crédito comuns. A diferença é que o valor da fatura pode ser descontado, total ou parcialmente, automaticamente na folha de pagamento, limitado ao valor da margem consignável. A parcela que não for paga será financiada com juros normal de cartão.

Como a fraude foi descoberta?

As denúncias de fraudes no consignado de Mato Grosso partiram do Sinpaig (Sindicato dos Profissionais da Área Meio do Poder Executivo de MT), que há dois anos iniciou um programa de revisão de contratos para seus associados, buscando redução de endividamento com melhores taxas.

Para fazer a revisão dos contratos, o Sinpaig contratou a consultoria financeira da economista Elcione Couto Melo. "Conseguimos condições muito vantajosas com Banco Pan, BMG e outros. Mas quando chegamos em contratos firmados com a Capital Consig, não conseguimos acessar as Cédulas de Crédito Bancários (CCB) para entender as condições dos contratos", diz Antonio Wagner de Oliveira, presidente do Sinpaig. "A gente pedia para o SAC da instituição, reclamava no consumidor.gov, Procon, SAC do Banco Central. Mesmo com o BC notificando a Capital Consig, eles não entregavam a CCB", diz.

As CCBs são os títulos extrajudiciais que representam os contratos firmados nas operações de crédito, com dados sobre as taxas, tarifas, comissões e encargos da operação. O cliente que toma empréstimo deve exigir o documento como forma de se resguardar caso precise questionar o contrato na Justiça.

A Capital Consig e suas subsidiárias possuem 20 mil contratos com 13.059 mil servidores de Mato Grosso. Destes, cerca de 400 são associados do Sinpaig. Acionada pelo sindicato, a Capital Consig não apresentou as CCBs relativas a 300 contratos. Em outros 70 contratos, o sindicato obteve os documentos, principalmente, por via judicial. Nestes, foram encontradas uma série de irregularidades tais como: divergências entre valor contratado e valor creditado; contratos sem assinatura do servidor; instituição sem autorização para operar consignado; diferença na modalidade do crédito (a empresa liberava o crédito como um saque no cartão consignável, mas na prática era uma operação de crédito uma vez que o cliente nem recebia o cartão).

"Encontramos problemas em 100% dos contratos da Capital Consig analisados", diz Oliveira. Em 80% dos casos, havia divergência entre o valor contratado e o valor creditado. Oliveira cita o caso de um associado que recebeu R$ 20 mil na conta, mas na CCB falava em R$ 33 mil. "A pessoa recebe um valor e acha que vai pagar o crédito durante um período. Mas quando vai ver a CCB descobre que é um período muito maior."

CPI do consignado

No final de 2018, o crédito consignado predatório e o superendividamento de servidores públicos de Mato Grosso foi alvo de uma CPI na assembleia legislativa. O relatório final da comissão recomendou uma série de medidas que não foram cumpridas.

Ao invés de restringir, decretos do Executivo desde então só favoreceram o superendividamento. Hoje, o Mato Grosso tem uma das políticas mais liberais em favor das instituições. As regras permitem a concessão de empréstimos em até 120 parcelas (10 anos) com uma margem consignável de até 60% para o endividamento líquido do servidor da ativa ou inativo, incluindo as margens para cartão consignado e cartão benefício. Mato Grosso tem um folha de R$ 500 milhões por mês com servidores da ativa – e estima-se que R$ 130 milhões podem estar comprometidos para o pagamento de juros.