JUACY DA SILVA

Papa Leão e o tempo da criação

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Papa Leão e o tempo da criação

Queridos irmãos e irmãs! O tema para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação deste ano, escolhido pelo nosso amado Papa Francisco, é “Sementes de Paz e de Esperança”.

No décimo aniversário da instituição deste Dia de Oração, que coincidiu com a publicação da Encíclica Laudato Si, encontramo-nos em pleno Jubileu, “peregrinos de Esperança”. E é precisamente neste contexto que o tema adquire todo o seu significado.” Papa Leão XIV – Mensagem, Vaticano News, 30 de junho de 2025.

Essas serão as primeiras celebrações alusivas ao Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação e do Tempo da Criação que o Papa Leão XIV deverá participar e poder transmitir aos mais de 1,4 bilhão de fiéis católicos romanos espalhados pelos quatro cantos da Terra, além de mais de 300 milhões de católicos ortodoxos, além de 800 milhões de evangélicos, bem como 1,9 bilhão de fiéis não cristãos, sua mensagem alusiva a essas duas celebrações voltadas para um melhor cuidado com a natureza e com as pessoas, principalmente os pobres, oprimidos, injustiçados e excluídos tanto pelos problemas climáticos/ecológicos quanto pela ganância de uns poucos que tentam se apropriar de tudo o que é produzido pelos sistemas econômicos extremamente concentradores de renda, riqueza e propriedade.

Conforme o Movimento Laudato Si, “O Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação acontece no dia 1º de setembro. Ele celebra o Deus Criador e o grande mistério da criação do cosmos, ao mesmo tempo que nos incentiva a curar nossa relação com a criação.

É um dia que nos ajuda a refletir sobre o próprio ato da criação, mistério fundacional da nossa fé. Inspirado em ricas tradições, este dia também é conhecido como Dia da Criação ou Festa da Criação, e foi adotado pela Igreja Ortodoxa em 1989, o Conselho Mundial de Igrejas em 2008, a Comunhão Anglicana e a Igreja Católica em 2015.

Este dia de oração alimenta o TEMPO DA CRIAÇÃO mais abrangente, que flui a partir dele e vai de 1º de setembro a 4 de outubro, festa de São Francisco.”

Coube ao Papa Francisco, na esteira de seu Magistério voltado para a Ecologia Integral, quando sempre enfatizou que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”, incluir oficialmente no calendário da Igreja, em 2015, não apenas este dia especial, mas estendendo essas celebrações e reflexões sobre a saúde do planeta (a nossa Casa Comum), como oportunidade para as Igrejas locais, de uma forma ecumênica e inter-religiosa, não apenas refletirmos sobre o sentido e o significado dessas celebrações, mas também encontrarmos caminhos comuns que nos levem às ações sociotransformadoras e de mobilização profética para a restauração do que já foi destruído e, também, caminhos que representem mudanças profundas em nossos hábitos e práticas degradadoras do meio ambiente, respeitando, inclusive, o direito que as próximas gerações têm em relação a um mundo ambientalmente sustentável e com mais inclusão, equidade e dignidade humana.

Antes de ter sido internado e falecer, o Papa Francisco, no início deste ano, já havia definido o tema e os objetivos para orientar essas duas celebrações, principalmente o Tempo da Criação que vai de 1º de setembro até 4 de outubro, Dia de São Francisco de Assis, o Patrono da Ecologia Integral e dos animais, de quem Jorge Mario Bergoglio, ao ser eleito Papa, tomou o nome (Papa Francisco).

Assim, coube ao Papa Leão manter as decisões e grande parte das preocupações de Francisco, como os aspectos básicos de sua mensagem de 30 de junho último, dirigida inicialmente à Igreja Católica Romana, da qual Ele é o Pastor, e também às demais Igrejas e Religiões, para que, unidas, as diversas religiões possam ser uma força transformadora de resgate, restauração dos biomas e ecossistemas que já foram e ainda estão sendo destruídos, mas também inserir essas preocupações e exortações nos contextos da Justiça Social, da Doutrina Social da Igreja e da Justiça Climática, dimensões fundamentais para que mudanças profundas possam também acontecer em nossos sistemas econômicos, de relações de trabalho e de produção, e a garantia dos direitos humanos, único caminho para uma paz verdadeira, que o Papa Leão denomina de PAZ DESARMADA.

Assim, a mensagem do Papa Leão XIV para o Tempo da Criação de 2025, com o tema "Sementes de Paz e Esperança", é bem clara e não deixa dúvidas quanto à responsabilidade dos cristãos em geral e dos católicos romanos em particular, sendo, pois, um apelo claro e direto à ação contra a destruição ambiental e a injustiça social, convidando os fiéis a serem sementes de transformação e a defenderem a justiça ambiental e a solidariedade para construirmos um futuro sustentável, especialmente no contexto do Jubileu de 2025 (Peregrinos de Esperança).

Nesta mensagem, Leão XIV insere exortações, deixando ver tanto a importância da Justiça Climática em meio às consequências que a destruição dos biomas, dos ecossistemas, enfim, da biodiversidade, das águas, dos solos, das florestas, do ar impõe sofrimento e morte, principalmente aos pobres e excluídos, que são os mais afetados.

Para sarar, curar o nosso planeta, nossa Casa Comum, são necessárias ações concretas e não apenas orações — importantíssimas, claro —, mas fazendo ver que as transformações ocorrem a partir das ações concretas e da mobilização profética.

Vejamos um trecho desta mensagem de Leão XIV: “A justiça ambiental — implicitamente anunciada pelos profetas — já não pode ser considerada um conceito abstrato ou um objetivo distante. Ela representa uma necessidade urgente que ultrapassa a mera proteção do ambiente. Trata-se verdadeiramente de uma questão de justiça social, econômica e antropológica. Para os que creem em Deus, além disso, é uma exigência teológica, que para os cristãos tem o rosto de Jesus Cristo, em quem tudo foi criado e redimido. Num mundo onde os mais frágeis são os primeiros a sofrer os efeitos devastadores das alterações climáticas, do desflorestamento e da poluição, cuidar da criação torna-se uma questão de fé e de humanidade.”

Em outro trecho da mensagem, seu apelo e exortação são bem claros e não deixam dúvida de que cuidar da natureza, respeitar os limites da natureza e também mudar os sistemas econômicos e relações de trabalho é um imperativo para os cristãos em geral e para os católicos em particular. Diante disso, a OMISSÃO perante os pecados ecológicos, ou seja, os crimes ambientais e práticas que promovem a degradação ambiental e a exclusão social, a exploração dos trabalhadores, além de injustiça social, é também injustiça climática.

Esta exortação é bem clara ao enfatizar que: “Chegou verdadeiramente o tempo de dar seguimento às palavras com obras concretas. «Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã» (ibid., 217). Trabalhando com dedicação e ternura, muitas sementes de justiça podem germinar, contribuindo para a paz e a esperança. Por vezes, são precisos anos para que a árvore dê os primeiros frutos, anos que envolvem todo um ecossistema na continuidade, na fidelidade, na colaboração e no amor, sobretudo se este amor se tornar um espelho do Amor oblativo de Deus.”

Neste TEMPO DA CRIAÇÃO de 2025 que se avizinha, imagino que caberia à Igreja local no Brasil, presente em todo o território nacional, diante de tantos desafios socioambientais e diante de eventos importantes que ainda estão para acontecer, como a COP30, em que a Igreja estará presente “levando” sua mensagem e abrindo espaço de diálogo com organismos públicos e também inúmeras organizações da sociedade civil que também se preocupam e lutam por Justiça Ambiental e mudanças nos paradigmas desta ECONOMIA DE MORTE, como tanto nos dizia o Papa Francisco, com a visão posta em novos paradigmas que embasem uma ECONOMIA DA VIDA e da Esperança, é fundamental que também esta mesma Igreja “faça o seu dever de casa”, que fiéis e a hierarquia eclesiástica passem por um processo concreto e real de conversão ecológica, individual e, principalmente, comunitário, demonstrando adesão a práticas e ações concretas sociotransformadoras e muita MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA, visando agir junto aos poderes constituídos para a definição e implementação de políticas públicas voltadas para um melhor cuidado com a Casa Comum, neste território chamado Brasil, a partir de cada território eclesiástico.

A parte final da Mensagem do Papa Leão XIV não deixa dúvida quanto a um dos fundamentos de nossas ações sociotransformadoras e de mobilização profética ao mencionar que: “A Encíclica Laudato Si acompanha a Igreja Católica e muitas pessoas de boa vontade desde há dez anos: que ela continue a inspirar-nos, e que a ecologia integral seja cada vez mais escolhida e partilhada como caminho a seguir. Assim se multiplicarão as sementes de esperança, a serem “guardadas e cultivadas” com a graça da nossa grande e indefectível Esperança, Cristo Ressuscitado. Em seu nome, envio a todos vós a minha bênção.”

Além da mensagem do Papa Leão XIV para orientar a Igreja em suas celebrações globais e também locais (relembrando o “mantra” da importância de “pensarmos globalmente, mas agirmos localmente”), temos também o Calendário Ecológico que nos indica diversos momentos/dias também importantes para a realidade socioambiental em nosso país.

Durante os 40 dias do TEMPO DA CRIAÇÃO teremos diversos momentos especiais em que as Igrejas locais podem e devem refletir sobre a realidade socioambiental/ecológica em seus territórios, conforme podemos observar:

SETEMBRO
1º de setembro a 4 de outubro: Tempo da Criação
01 - Festa da Criação e momento de abertura do Tempo da Criação
01 - Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação
03 - Dia do Biólogo
05 - Dia da Amazônia
07 - Dia da Independência do Brasil
07 - Dia Mundial do Ar Limpo (Combate à poluição do ar)
11 - Dia Nacional do Cerrado
16 - Dia Internacional de Luta para a Preservação da Camada de Ozônio
19 - Dia Mundial de Luta pela Limpeza das Águas (ver também 22 de março)
21 - Dia da Árvore (ver também 21 de março e 17 de julho)
22 - Dia Nacional em Defesa da Fauna
25 - Dia da Bandeira dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
29 - Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos (Dia Internacional do Desperdício Zero). Ver também 30 de março
29 - Dia Mundial dos Rios

OUTUBRO
01 - Dia do Vegetarianismo
03 - Dia Nacional da Agroecologia
04 - Dia de São Francisco de Assis
04 - Encerramento do Tempo da Criação
04 - Dia da Natureza

Como podemos perceber, temos muitos momentos relacionados à necessidade de aprofundarmos tanto as nossas reflexões quanto as nossas práticas, através de ações das diferentes pastorais, movimentos e organismos da Igreja, com destaque para a importância de que, em todos os territórios eclesiásticos (Arquidioceses, Dioceses e Comunidades Eclesiais de Base), a Pastoral da Ecologia Integral, que é uma pastoral de conjunto, uma pastoral transversal, possa estar devidamente presente, estruturada e promovendo essas ações sociotransformadoras, mobilização profética e também fortalecida pela espiritualidade ecológica tão enfatizada pelos Papas Francisco e, agora, Leão XIV.

Antes de concluir esta reflexão, gostaria de destacar parte da mensagem bem recente e ao mesmo tempo uma exortação de Leão XIV dirigida ao cardeal Pedro Ricardo Barreto Jimeno, presidente da CEAM - Conferência Eclesial da Amazônia, uma organização que reúne, além do episcopado, também leigos, agentes pastorais, mulheres e indígenas, bem como a todos os que recentemente estiveram reunidos em Bogotá, Colômbia, em que fica clara a responsabilidade da Igreja, não apenas no território amazônico, mas em todos os territórios do Brasil em que a mesma esteja presente: “Leão XIV convida todos os participantes do encontro que estão em Bogotá a refletirem sobre três dimensões que estão interconectadas na ação pastoral dessa região: a missão da Igreja de anunciar o Evangelho a todos os homens, o tratamento justo aos povos que ali habitam e o cuidado da Casa Comum.”

Oxalá tais “sementes” de esperança e de transformações profundas em nossos hábitos consumistas, de desperdício e de egoísmo possam ser transformadas profundamente, e nós, como cristãos, católicos, evangélicos e não cristãos, possamos parar um pouco e constatarmos que os desafios socioambientais, principalmente a crise climática e suas consequências, precisam ser enfrentados de forma efetiva e não apenas com palavras, belos discursos ou documentos que acabam apenas enfeitando arquivos.

Este é o único caminho que nos resta. O chamado “ponto do não retorno” já está presente neste momento; só não percebe quem não quer ver ou quem faz do negacionismo ecológico/ambiental sua “filosofia de vida” — e de morte!

 Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em Sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste

E-mail [email protected]; Instagram @profjuacy