Opinião
Os meninos de chinelo e os 300 anos de Cuiabá

Lucineia Soares, economista
Recentemente fui a um show pelo lado do Coxipó com a intenção de ouvir, viver e transitar no ambiente de um ritmo musical quase nunca ouvido nos tradicionais meios de comunicação, o rap.
No caminho, revivi lembranças da época da juventude. Locais onde dançávamos o rasqueado, até então só dançado nos “rebuças e chuças” das periferias da capital, assim como o rap, que até hoje é ouvido em sua maioria nos locais mais distantes do centro da cidade. Salve “Quebra Pote”!!!!
E para ouvir o rap fez se necessário ir à periferia. Não que seja algo a ser desqualificado, pelo contrário. São nas periferias das cidades que encontramos saberes, riquezas culturais, a autêntica arte popular, inéditas expressões, tão amplamente questionadas e comparadas ao padrão europeu ou americano de querer ser.
À espera da atração principal, na “muvuca” da plateia, olho para o chão e vejo quatro pares de chinelos, com seus respectivos donos, subo um pouco a vista e vejo quatro meninos.
Pensei, imediatamente, em quantos pagam tão caro naquela marca famosa de chinelo para ficarem “podre de chique” e, observando o restante das pessoas presentes no salão, concluo que não me pareceu uma escolha diante das tantas opções que eles tinham no “closet” de suas casas.
Após a primeira impressão voltei o olhar para seus rostos e reparei uma expressão meio “grocotchó”, que só ganhava cor e alegria quando cantavam as músicas apresentadas pelos rappers locais, com certeza algo do dia a dia deles.
Os olhares ficavam marotos quando uma garota passava, a assanhadeza logo vinha, “sis creança” procurando um “catcho”.
O show foi dividido em perceber os meninos, suas inquietações e desejos e refletir sobre todos os desafios que essa juventude da periferia continuará a enfrentar daqui para frente. Porque lutas eles sempre tiveram e continuarão a ter, agora talvez mais cruéis.
Não é a toa que o Brasil é um dos países que mais mata jovens no mundo, “espia só”… 33.590 jovens foram assassinados em 2016, Mato Grosso esta um pouco abaixo da média nacional, segundo o IPEA.
Para termos uma ideia do que este número significa, a guerra na Síria em 2016 matou em 60 mil pessoas, no Brasil foram aproximadamente 63 mil pessoas mortas por homicídio.
Esses mesmos jovens estão fora das políticas públicas. Em 2014, o percentual de jovens até 19 anos que concluíram o ensino médio é de 56%, ou seja, quase metade não conclui os estudos, isso sem analisar os fatores renda e raça, já que o Brasil é múltiplo e desigual.
Além disso, jovens não qualificados não conseguem empregos formais, com registro na carteira e garantia de direitos. Seguindo, vagas não ocupadas impactam na produção da empresa, que vende menos porque há menos mercadoria ou porque parte da população ou esta morta ou não tem renda para consumo. Havendo assim uma redução do lucro que coloca em risco a continuidade do negócio.
Desse modo, uma juventude sem estudo, exterminada, além de uma questão de humanidade e cidadania também gera impacto no desenvolvimento econômico e social de uma cidade, do estado, de um país.
Aos jovens, cabe resistir, sempre! Pela cultura, criada em seu contexto, no seu lugar, da sua forma. Se um dia precisávamos ir para periferia dançar rasqueado, amanhã ouviremos o rap cuiabano em todas as quebradas da cidade.
VIVA CUIABÁ e seus 300 anos!!!
Traduzindo o cuiabanês:
Quebra Pote – Bairro antigo de Cuiabá hoje conhecido como São Francisco
Rebuça e Chuça – Baile.
Muvuca – Agrupamento ruidoso de pessoas que estão se divertindo
Podre de chique – Bonito, elegante, bem vestido.
Grocotchó – Pessoa mole, doente, desanimado.
Sis creança – essas crianças.
Catcho – namoro, paquera.
Espia lá – olha lá, veja. (exspía)
LUCINEIA SOARES é economista, mestre em Política Social e doutoranda em Sociologia.


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