SÉRGIO CINTRA

Os abismos mato-grossenses

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Os abismos mato-grossenses

Somos um estado repleto de contrastes e confrontos. O próprio nome “Mato Grosso” é resultado de um equívoco fitogeográfico: os irmãos sorocabanos Fernando e Arthur Paes de Barros, em 1734, em busca de prear indígenas Pareci, denominaram a região do Vale do Guaporé de “Mato Grosso” por conta da vegetação característica do bioma amazônico; apesar de conhecerem o cerrado, pois viviam em Cuiabá.  

É certo que os irmãos quiseram especificar apenas aquela região do nosso estado, mas o topônimo estendeu-se para o Cerrado e Pantanal a partir de 1736. A partir dos anos 1970, com o incremento no fluxo migratório, especialmente do sul do Brasil, a expressão “do Mato Grosso” paulatinamente substitui a “de Mato Grosso”. Apesar disso, eu sempre serei de Mato Grosso e jamais do (sic) Mato Grosso. Ademais, vê-se, a torto e a direito, grafar-se “matogrossense” e não “mato-grossense” como o é.

Os nossos contrastes e confrontos não são apenas geográficos, ambientais, sociais e econômicos; mas, especialmente, culturais devido à heterogeneidade da nossa população.  Todavia, o choque linguístico-cultural entre o velho Mato Grosso e o novo Mato Grosso, aliado a um crescimento socioeconômico díspar, acentuaram as cizânias criando até mesmo movimentos divisionistas.

Há palavras e expressões que estão circunscritas, quando muito, ao vale do Rio Cuiabá: “Quem bedjô, bedjô, quem não bedjô; não bedja masx” que transmite a ideia de “fim, término, encerramento”; “Bereré” que significa “propina ou dinheiro”, aliás, palavra muito usada para caracterizar uma série de políticos da “Terra de Rondon”; “Cainha” (por gentileza, sem acento) que quer dizer “miserável, muquirana, sovina”. E são tantas que não há espaço suficiente neste opúsculo.

Grosso modo, aqui e acolá, independentemente deste ou daquele Mato Grosso, a iniciativa privada e o setor público “assassinam” o vernáculo sem a menor cerimônia. Quem não leu em placas gigantescas nas entradas da capital: “Bem vindo (sic) a Cuiabá (custa colocar hífen em “Bem-vindo”? ou em anúncios de salões de beleza: “sombrancelhas” (sic) postiças em promoção. É “sobrancelhas”!!!! E como esquecer dos “previlégios” (sic) de uns poucos privilegiados (é com “i” e não com “e”).

Vá a qualquer supermercado do nosso estado e peça “quinhentos gramas de muçarela e trezentos gramas de mortadela” e ouvirá “quinhentas gramas e trezentas de mortandela? (sic)”; além disso, você deparar-se-á com a grafia “mussarela” (sic).

Ontem (14-01) saíram as notas do Enem: apenas 12 redações nota 1000 e nenhum dos 67.640 inscritos de Mato Grosso conseguiu a nota máxima; para piorar, apenas 4 alunos da rede pública de ensino conseguiram 980 na redação e 157 estudantes de escolas públicas conseguiram notas acima de 950. Detalhe: o INEP não informa se esses alunos são da rede pública federal ou da estadual. E a educação em Mato Grosso é uma das melhores do país: vergonha!!!

Em suma: não se conhece o português mato-grossense e nem o português brasileiro, aliada à dependência digital, as gerações Z e Alfa estão condenadas pelos que detém o poder de decisão à cegueira (ignorância), como vaticinou Saramago em “Ensaio sobre a Cegueira”: “Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora. É a isto que eu chamo a cegueira da razão.”

Sérgio Cintra é professor de Linguagens e está servidor do TCE-MT. sergiocintraprof@gmail.com