GABRIEL NOVIS NEVES

O tempo do meu pai

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O tempo do meu pai

Em certas ocasiões, sinto necessidade de que o tempo passe depressa.

Um bom exemplo são os períodos em que realizo meus exames de saúde de rotina.

Com o avanço da medicina — e da minha idade —esses exames aumentam a cada semestre, tanto em número quanto em duração.

Mesmo com resultados normais, gasto bastante tempo para cumprir essa maratona.

Por ser o primogênito, fui o filho que mais contato teve com meu pai.

Ele só precisou de cuidados médicos após os setenta anos.

Não me lembro de vê-lo gripado, ou de faltar ao trabalho por motivos de saúde.

Muito menos o vi frequentando consultórios médicos.

Certa vez, teve hipertrofia benigna da próstata.

Uma tarde, minha mãe me chamou na reitoria da Universidade Federal de Mato Grosso, para ver como ele estava.

Disse que ele passara o dia todo deitado, gemendo.

Sem nada comentar, fui ao seu encontro.

Ao examiná-lo, percebi uma grande massa acima da cicatriz umbilical.

Perguntei se os rins estavam funcionando. A resposta seca: — Hoje não.

Levei-o ao consultório do urologista, que confirmou tratar-se de retenção urinária.

Trouxe de casa uma lata vazia de vinte quilos de banha de porco e uma sonda uretral.

Aos poucos, aquele ‘tumor’ de urina foi diminuindo — e quase encheu o latão.

Pelo exame físico, confirmou-se um aumento expressivo da próstata, com indicação de cirurgia.

Meu pai foi internado na Santa Casa de Misericórdia e operado por via abdominal.

Recebeu alta, curado, no sétimo dia.

Não me recordo de ele ter feito qualquer exame laboratorial pré-operatório, mesmo com mais de setenta anos.

Faleceu aos oitenta e oito anos de idade, quando a expectativa de vida era de apenas 68.

Nunca foi vacinado, tampouco fez prevenção.

Nos últimos anos teve dificuldades de locomoção, quando ainda não existiam fisioterapeutas em Cuiabá.

Hoje, estou naquela fase da vida em que a gente deseja que o tempo voe...

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado