GABRIEL NOVIS NEVES

O relógio da estação

· 1 minuto de leitura
O relógio da estação

É um objeto que marcou encontros e despedidas.

Conta as histórias de quem chegou atrasado, de quem esperou em vão e de quem partiu sem olhar para trás.

É a vida correndo em torno de um ponteiro que, silencioso ou sonoro, selava destinos. Como nunca tivemos trem — portanto, relógio na estação — usávamos o da Catedral com suas badaladas ecoando pela cidadezinha.

No porto do rio Cuiabá, era o apito dos pequenos navios que anunciava chegadas e partidas.

O relógio da Central do Brasil, no Rio, era meu azimute para chegar, pontualmente ao Pronto-Socorro Souza Aguiar, no início dos plantões.

Em Cuiabá, no porto, eu sabia da saída ou chegada das pequenas embarcações por onde vieram meus antepassados — e por onde partiram para estudar em Salvador.

Sou do tempo dos aviões DC-3.

Guardo na memória a única viagem de hidroavião, decolando do rio Cuiabá, antes da construção da ponte Júlio Muller.

Esses objetos despertam em mim um saudosismo incontrolável, com muito romantismo.

Velhos se encontram com o seu passado longínquo, revivendo um tempo que passou — e que não volta mais.

Penso em adivinhar, se isso fosse possível, o que aquele relógio viu e sentiu.

Seus símbolos permanecem como guardiões da memória.

Eu daria tudo para viver novamente aqueles dias em que eu era feliz — e não sabia.

Lembro da minha família numerosa que o tempo foi reduzindo biologicamente.

Objetos como o relógio da estação, a corneta do quartel e o sino das igrejas sempre estiveram associados ao destino das pessoas — e, muitas vezes, à dor da separação.

O que seria dos poetas se essas referências não existissem?.

Quem lhes daria voz e vida?.

O que eu estaria fazendo neste momento sem elas?.

Não desejo voltar ao passado, pois sei que o futuro é incerto.

Mas recordar é viver, e pretendo ainda viver muitos anos, pois tenho uma missão a cumprir.

Quero chegar aos meus tataranetos para, então, poder dizer que posso partir.

Daqui para frente só terei encontros — e que sejam muitos!.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado