É um objeto que marcou encontros e despedidas.
Conta as histórias de quem chegou atrasado, de quem esperou em vão e de quem partiu sem olhar para trás.
É a vida correndo em torno de um ponteiro que, silencioso ou sonoro, selava destinos. Como nunca tivemos trem — portanto, relógio na estação — usávamos o da Catedral com suas badaladas ecoando pela cidadezinha.
No porto do rio Cuiabá, era o apito dos pequenos navios que anunciava chegadas e partidas.
O relógio da Central do Brasil, no Rio, era meu azimute para chegar, pontualmente ao Pronto-Socorro Souza Aguiar, no início dos plantões.
Em Cuiabá, no porto, eu sabia da saída ou chegada das pequenas embarcações por onde vieram meus antepassados — e por onde partiram para estudar em Salvador.
Sou do tempo dos aviões DC-3.
Guardo na memória a única viagem de hidroavião, decolando do rio Cuiabá, antes da construção da ponte Júlio Muller.
Esses objetos despertam em mim um saudosismo incontrolável, com muito romantismo.
Velhos se encontram com o seu passado longínquo, revivendo um tempo que passou — e que não volta mais.
Penso em adivinhar, se isso fosse possível, o que aquele relógio viu e sentiu.
Seus símbolos permanecem como guardiões da memória.
Eu daria tudo para viver novamente aqueles dias em que eu era feliz — e não sabia.
Lembro da minha família numerosa que o tempo foi reduzindo biologicamente.
Objetos como o relógio da estação, a corneta do quartel e o sino das igrejas sempre estiveram associados ao destino das pessoas — e, muitas vezes, à dor da separação.
O que seria dos poetas se essas referências não existissem?.
Quem lhes daria voz e vida?.
O que eu estaria fazendo neste momento sem elas?.
Não desejo voltar ao passado, pois sei que o futuro é incerto.
Mas recordar é viver, e pretendo ainda viver muitos anos, pois tenho uma missão a cumprir.
Quero chegar aos meus tataranetos para, então, poder dizer que posso partir.
Daqui para frente só terei encontros — e que sejam muitos!.
Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado