Conheci o quadro negro no meu primeiro dia de aula, em 1942, na Escola Modelo Barão de Melgaço, instalada em um prédio defronte à antiga e linda Praça Ipiranga.
Naquele dia, tudo era novidade: o barulho do giz riscando a lousa, a letra caprichada da professora Oló, e a poeira branca que parece que marcou a infância de todos nós.
Ela escrevia a tabuada no quadro, e com maestria repetia com seus trinta alunos o compasso das contas.
Até hoje guardo na memória o ritmo cadenciado: dois vezes um, dois: dois vezes dois, quatro... e assim íamos aprendendo a tabuada.
A professora deixava a matemática no quadro por um bom tempo para que tivéssemos chance de absorver a lição.
Depois, com sua bonita letra, escrevia um texto diante de uma sala em absoluto silêncio, onde só se ouvia o deslizar do giz sobre a lousa.
Era uma honra ser chamado ao quadro para escrever o que a professora ditava.
O giz cantava quando encontrava a superfície áspera e, em troca, espalhava sua poeira branca sem protestos pelos alunos.
Durante muitos anos o quadro negro foi substituído pelo verde-escuro, numa tentativa ingênua de afastar a palavra ‘negro’ do ambiente escolar.
Hoje, os quadros brancos dominam as salas de aulas, e o giz cedeu lugar aos canetões coloridos — azul, vermelho e preto.
Acredito que a qualidade da escola pública melhorou com a chegada de professores qualificados ocupando o espaço dos antigos mestres leigos.
Também contribuíram as seis universidades do nosso Estado, somados aos cursos superiores isolados que se espalharam pela capital e interior.
A Escola Modelo onde aprendi a ler e a escrever mudou várias vezes de endereço. Agora, distante do centro, perdeu o prestígio que um dia teve.
Mas, para mim, permanecerá sempre como o lugar sagrado onde descobri o poder das palavras e da escrita.
Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado