GABRIEL NOVIS NEVES

O pós-carnaval

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O pós-carnaval

Fui preparado na faculdade para cuidar do pós-operatório dos meus pacientes.

Ele exige tratamento especial, em ambiente adequado no hospital.

Surge após uma intervenção cirúrgica bem-sucedida.

É o momento em que tranquilizamos os familiares: tudo ocorreu bem.

No carnaval, tudo também parece correr bem, embalado por sonhos e ilusões.

Mas, ao quarto dia da folia, chegam as cinzas e o início da quaresma.

O encantamento se dissipa como confete ao vento. A festa passou num sopro.

A cidade parou, como num grande feriadão —ao menos, assim foi em Cuiabá.

Minha única companheira nesses dias foram as chuvas persistentes.

Nenhum sinal da maior celebração da cultura popular brasileira.

Nem cordões, trios elétricos ou blocos carnavalescos. Nem vi, nem ouvi.

Mais uma tradição que escorre pelos ralos da modernidade.

Pela TV, assisti à alegria dos que vivem em cidades carnavalescas, animados não apenas pela festa, mas também pela oportunidade de um ganho extra no orçamento.

Enquanto isso, os cofres municipais dessas cidades transbordam com o dinheiro dos turistas, recursos que, em teoria, deveriam ser investidos em saúde, educação, transporte e segurança.

Na minha cidade, lazer nunca foi prioridade. O prefeito preferiu orar durante o período.

Não há verba para bancar Rei Momo e Rainha do Carnaval —, e o povo, ao que parece nem se importa.

Houve um tempo em que a prefeitura financiava a folia. O prefeito, figura central, dedicava-se inteiramente ao carnaval.

No sábado gordo, o baile oficial era patrocinado pelo município e o mandatário fazia as honras da casa.

Certa vez, fui convidado pelo governador do estado para assumir a prefeitura na semana do carnaval.

Recusei o honroso convite. Não possuía um smoking para o baile de abertura nem sabia dançar com a porta-estandarte e rainha do carnaval.

Agora, preciso traduzir para meus bisnetos o que foi essa estranha e fascinante festa popular.

Mas tudo já virou cinzas, no pós-carnaval.

Gabriel Novis Neves é médico e ex-reitor da UFMT