Vivemos tempos difíceis. E o que mais me preocupa não é a divergência de ideias — isso, aliás, é saudável e essencial em uma democracia. O que realmente me inquieta é o avanço de um poder absoluto que vem se sobrepondo aos demais, sem freios, sem limites e, pior, sem contestação. Você sabe bem de quem estou falando.
Reconheço que não é confortável abordar esse tema, tampouco seguro, mas não posso me calar diante do que considero uma ameaça real à democracia brasileira.
A Suprema Corte tem ultrapassado, de forma sistemática, os limites constitucionais que deveriam guiá-la. Em um mesmo processo, atua como vítima, investigadora, acusadora e julgadora. Esse acúmulo de funções não apenas fere o devido processo legal — pilar do Estado Democrático de Direito — como também enfraquece a confiança da sociedade nas instituições. Se o próprio guardião da Constituição não a respeita, quem mais o fará?
Não se trata, aqui, de defender o ex-presidente Jair Bolsonaro ou qualquer outra figura pública. Trata-se de algo maior: o direito de qualquer cidadão — inclusive daqueles que representam um campo político específico — de se manifestar, ser ouvido e participar do debate público. Refiro-me, inclusive, ao seu direito de discordar de mim.
Quando se decide limitar o uso das redes sociais por meio das Big Techs e se impede que um dos principais líderes políticos do país se manifeste — seja por tornozeleira eletrônica, seja por censura direta — não estamos apenas diante de uma decisão jurídica. Trata-se de um ataque frontal à liberdade de expressão.
A preocupação de muitos, hoje, concentra-se na possibilidade de prisão de Bolsonaro. No entanto, a meu ver, há algo ainda mais grave em jogo: o silenciamento.
Até mesmo o atual presidente Lula, quando esteve preso, foi autorizado a conceder entrevistas de dentro da cadeia. Hoje, Bolsonaro está impedido até de se comunicar com o próprio filho. Que tipo de democracia é essa? Nem integrantes de facções criminosas, em prisões de segurança máxima, recebem esse tipo de restrição. Isso ultrapassa o razoável. Trata-se, claramente, de perseguição política.
Além disso, há uma evidente tentativa de desarticular toda uma corrente ideológica. A direita vem sendo, de maneira sistemática, excluída do debate público. Seu principal representante foi tornado inelegível e, agora, sequer pode se manifestar. Discordar de suas ideias é um direito; impedi-lo de falar, não. A liberdade de expressão só deve ser limitada quando houver crime claro, tipificado em lei — jamais por conveniência política ou pressão institucional.
Enquanto isso, o Senado — única instituição capaz de conter esses abusos — permanece em silêncio. Calado, omisso ou, talvez, apenas preocupado em garantir sua própria sobrevivência por mais oito anos de poder. E a sociedade? Em grande parte, está com medo. Medo de se posicionar, de falar, de se tornar alvo. E com razão: o risco é real. Mas é justamente por isso que precisamos falar. Porque nenhuma conquista, nenhuma estabilidade, nenhum mandato vale mais do que a nossa liberdade de expressão.
Nenhum poder é supremo. Em um Estado democrático, todos os poderes devem coexistir em equilíbrio, com responsabilidade e limites. A Constituição não é uma carta de intenções — é a regra máxima. Quando ela deixa de ser respeitada por aqueles que deveriam defendê-la, toda a estrutura começa a ruir. E é isso que estamos vendo acontecer.
Não escrevo para agradar. Tampouco para convencer. Escrevo porque acredito que calar, agora, é pactuar com o autoritarismo. E, se há algo que não podemos perder — jamais — é o direito de dizer o que pensamos.
Frederico Murta é delegado de Polícia Civil em Mato Grosso