Meu dia começa quando a cuidadora me traz a xícara de café no dormitório.
Hábito adquirido na infância, herdado de meu pai, que antes de sair para o trabalho tomava três pequenas xícaras de café bem preto, quente, com pouco açúcar — tudo o que um grande fumante precisa para dar início ao dia.
Houve um tempo em que tentei substituir o cafezinho pelo guaraná ralado em casa.
O som do pau de guaraná raspando na grosa ficou gravado em minha memória. Era um ruído familiar na casa do meu avô, que só tomava guaraná ralado na hora.
O guaraná ralado sempre foi uma bebida doméstica. Já o café é um rito coletivo. As casas de café infestam as cidades e têm um quê de socialismo.
O café está ligado à boemia—quantas canções maravilhosas nasceram ao redor de uma mesa de café!
Basta lembrar Noel Rosa, o Poeta da Vila, e seu pedido musicado ao garçom do botequim, para o café não requentado.
O Café Nice, na Cinelândia, era uma verdadeira catedral do samba, inspirando nossos grandes compositores.
E havia também a tradição elegante de sair à tarde para tomar um café na Colombo, no Rio de Janeiro.
Nos morros, nas estações de trem, nos terminais de ônibus, nas cantinas de hospitais e até nos velórios, nunca falta um cafezinho.
Na época dos vestibulares, a garrafa térmica com o líquido milagroso era item obrigatório—afastava o sono e abria a mente para o estudo.
Há também o café protocolar, servido à mesa com torradas quentinhas e manteiga Aviação, reunindo a família para o primeiro encontro do dia.
Era nesse momento que conversávamos e ouvíamos nossos pais, que muitas vezes deslizavam da rotina para a filosofia.
Desde os sete anos, lembro-me bem: meu pai preferia os temas de humor.
Hoje, tomo meu primeiro café, ainda na cama.
Depois, o café do dia, na mesa da copa, acompanhado pelo silêncio da minha solidão.
Gabriel Novis Neves é médico e ex-reitor da UFMT