O ofício de sapateiro é uma profissão em extinção que ainda resiste, transformando sapatos gastos em histórias renovadas.
Em frente à casa do meu avô Alberto, na rua Voluntários da Pátria, o seo Atanásio ocupava uma pequena sala na frente de sua residência, onde instalou a oficina.
Tornei-me amigo de seu filho, da minha idade, que, quando estava em casa, não saía da janela para conversar e saber das últimas novidades.
Ele frequentava as missas da Catedral, assim como eu.
O pai trabalhava em dois expedientes e tinha muitos clientes.
O filho estudava e não quis aprender o ofício, como também eu não quis ser garçom do bar do meu pai.
A porta da rua de sua casa estava sempre fechada.
Nunca soube a razão de meu pai jamais ter procurado aquela sapataria, diante das inúmeras existentes em Cuiabá naquele tempo.
Fiz amizade com o seo Atanásio e quando ia à casa do meu avô, atravessava a rua para prosear com ele.
Recordo-me de certa ocasião em que lhe pedi para fazer mais um furo no meu cinturão.
Eu era muito magro, de barriga chupada, e todas as vezes que ganhava de presente um cinturão de couro, recorria ao seo Atanásio.
Passei onze anos estudando no Rio de Janeiro e, quando voltei, encontrei-o ainda na mesma oficina, repleta de sapatos a consertar.
Não me recordo das longas conversas com ele.
Também nunca mais tive notícias de seu filho, que adorava futebol.
Hoje, sua casa permanece sem a sapataria, ao lado da casa da dona Balbina Orlando, resistindo firme à especulação imobiliária.
De vez em quando, passeando pela cidade, ainda encontro oficinas de sapateiros.
A meia sola imperava nos calçados daquela época, assim como a troca de saltos.
Já nem sei há quantos anos não procuro uma sapataria para os meus sapatos gastos. E assim, perco histórias renovadas desses artesãos, guardiões da nossa memória oral.
Isso se chama progresso!.
Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado