GABRIEL NOVIS NEVES

O espelho da barbearia

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O espelho da barbearia

Se pudesse falar quantas histórias contaria!. Quantos rostos viu envelhecer, quantos sonhos refletiu nas manhãs cuiabanas...

Tudo acontecia na antiga rua do Meio — a rua das barbearias.

Conheci aquela famosa rua no tempo em que era hábito fazer a barba com navalha.

Lembro-me do meu pai, que três vezes por semana procurava o barbeiro.

Nunca em casa.

Nunca teve navalha.

Os aparelhos descartáveis de gilete ainda não existiam nos mercados de Cuiabá.

Era um ritual de elegância sentar-se na cadeira do barbeiro, ser coberto por uma toalha branca, fina e limpa; sentir o rosto escondido pela espuma de sabão e, pelo espelho, acompanhar o trabalho paciente do profissional.

Ali, entre o cheiro da loção e o deslizar da lâmina, o tempo se revelava: via-se o envelhecimento dos rostos, e ouviam-se histórias de vida.

Ao final, com as mãos umedecidas na ‘loção de barbeiro’, o profissional fazia uma leve massagem, encerrando o serviço com um gesto quase de carinho.

Meu avô, ao contrário, sempre fez a barba em casa.

Guardava sua navalha e o amolador, companheiros de uma vida.

Eu mesmo ousei usar navalha apenas uma vez, durante uma viagem. Nunca mais.

Duas verrugas no rosto, sempre prontas a sangrar, e a impressão de falta de higiene me afastaram de vez dessa prática.

Hoje, quem faz a minha barba é a enfermeira, com gilete descartável — e sem espelho.

Pelo menos não vejo meu rosto envelhecer uma vez por semana.

Também não ouço histórias.

Os sonhos ficaram presos à juventude.

Meu pai, após a aposentadoria, rendeu-se à modernidade.

Passou a usar as giletes em casa, mas a pele já sem elasticidade cortava-se com facilidade, sangrando ao menor descuido.

As antigas barbearias transformaram-se em salões de beleza.

Atendem homens e mulheres, oferecem harmonização facial, cortes da moda e penteados extravagantes.

É uma profissão valorizada, especialmente pelos jogadores de futebol, com suas trancinhas coloridas e estilos ousados de cabelo e barba.

E a rua do Meio onde passei parte da infância, meus bisnetos não conhecem.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado