Dizem que certos homens enxergam o mundo pela lente que carregam. No caso de Tom, a lente era grande, objetiva, e sempre em busca de musas em flor. Era um artista da imagem — e como todo artista da imagem, sabia exatamente o que esconder.
Por anos, as redes sociais o celebraram como o “poeta visual da natureza feminina”. Lá estava ele: rastreando mulheres livres, nuas entre galhos, troncos e riachos, clicando-as como se fosse o próprio deus Pan com uma Canon pendurada no pescoço. Sensível, profundo, um amante da liberdade… pelo menos no feed.
A ironia? Morava com a mãe. Aos mais de 40 anos, protegido por mãos enrugadas que ligavam dia e noite perguntando se ele estava bem. “Você viu o Tominhas hoje?”, perguntava a senhora a quem estivesse por perto, enquanto ele mesmo já não se via há tempos — perdido entre goles e carreiras, derrapando nas curvas da própria ruína.
Tom tinha um problema com liberdade: adorava retratá-la, desde que não pertencesse a suas namoradas. No primeiro “não”, vinha o berro. No segundo, o soco na parede. No terceiro… bem, alguns relatos dizem que ele não esperava pelo terceiro. As musas nuas que ele tanto idolatrava viravam prisioneiras de um ciúme que nem mesmo a mãe conseguia justificar — mas justificava. “Ele é assim porque ama demais”, diziam. Ou pior: “Você sabe como ele fica quando bebe”.
Fotografar a nudez era um ato político, dizia ele. Uma forma de resgatar o feminino ancestral, selvagem, livre. Só não tolerava que o selvagem se voltasse contra ele. Queria deusas, sim — mas que fossem domésticas, silenciosas, moldáveis à pose que ele exigisse.
Enquanto isso, a cidade assistia. Uns aplaudiam. Outros sabiam. Algumas tentaram alertar, mas foram silenciadas por curtidas, contratos e a velha imunidade do “artista incompreendido”. Afinal, ele era um talento. Um gênio. Um bom filho. Só não era, aparentemente, um bom homem.
E assim segue Tom, entre flashes e farsas. Um voyeur da liberdade feminina que nunca soube lidar com a própria escuridão. Talvez o verdadeiro retrato que precise tirar seja de si mesmo — nu, cru, sem filtros.
Mas isso, claro, ele nunca postaria.
Noca Dorothea é o pseudônimo de alguém que atua como jornalista em Cuiabá