Preparativos a mil. As mãos e os corações das famílias do Distrito Sucuri, em Cuiabá, estão a mil. Enquanto uns cortam a carne seca, outros fritam a banana para a farofa, preparam o leitão, a Maria Izabel, a paçoca de pilão, o feijão empamonado e os tradicionais peixe cuiabano e macarrão com frango. Todas as comidas tradicionais do cuiabano chegarão à mesa, mas nada chegará sem a fé que tempera cada receita.
Há 35 anos, essa não é apenas uma festa: é a manifestação de fé popular, celebração de identidade, ato de resistência cultural. A Festa de São João Batista e Nossa Senhora Aparecida é o coração pulsante do Sucuri. Ela é o elo entre os que vieram antes e os que ainda virão. Une devoção, memória e pertencimento como se fossem fios do mesmo terço, entre os dedos calejados de um povo que nunca deixou de acreditar.
“Não cuida de São João pra ver”, alertam os mais antigos, com um brilho nos olhos de quem conhece os mistérios que sustentam essa devoção. É um aviso, mas também um convite: cuide, participe, reze, carregue sua vela, pois onde há fé, há milagre. Aprendizado de valor inestimável, especialmente em tempos difíceis, quando a espiritualidade se torna um alicerce emocional e social.
Tenho orgulho em dizer que tudo começou pelas mãos e pelo coração de duas mulheres fortes: minhas avós, professoras Elzira Cavalcante e Maria Nunes, que junto à comunidade plantaram uma semente de fé. E como germinou! Hoje, é árvore frondosa onde se abrigam gerações inteiras. O povo do Sucuri abraçou a festa com a alma.
E se São João é quem abre os caminhos com sua força profética, é Nossa Senhora Aparecida quem acolhe, protege e intercede por todos nós. A Mãe está no centro da fé do povo e leva aos céus os pedidos feitos com o coração a cada procissão, a cada mastro erguido em sua homenagem.
Chegar até aqui é olhar para trás com gratidão. Gratidão pelos festeiros que já passaram, e pelos que continuam, com fé inabalável. Gratidão pelas famílias que se multiplicam e ensinam aos mais novos que o que recebemos não foi um simples costume, mas um tesouro da fé.
Em cada edição da festa, há momentos que nos marcam para sempre. Nunca me esqueço de um deles, durante o levantamento do mastro de Nossa Senhora Aparecida, ato que já nasce abençoado por unir tanta gente em torno da mesma força.
Naquela ocasião, quando a reza cantada embalava o momento, surgiu um cururueiro solitário, carregando nos braços uma viola de cocho como quem carrega uma relíquia. Ele dedilhou sozinho aquelas cordas rústicas que ecoou no meio de tantas emoções, calando as vozes, os barulhos e emocionando centenas de pessoas . Ele sozinho tocou cururu como um ato de recordações de sua própria vida. Aquele som ainda ecoa nas minhas lembranças, como ecoa o chamado de São João a quem tem fé.
E, mais uma vez, convidamos a todos para presenciar esses momentos de fé, de amor, de união em celebração a São João e à Nossa Senhora Aparecida. É nesta sexta-feira e sábado (25 e 26/07), no mesmo endereço de sempre, na Chácara São João, na residência do senhor Cláudio Almeida e da senhora Marilene Almeida.
Porque, como o povo do Sucuri bem sabe: “não cuida de São João pra ver” e nunca se esqueça de pedir a proteção de Nossa Senhora para viver.
Kaene Almeida é cuiabana, gastróloga, nascida e criada no berço cultural da gastronomia cuiabana