O Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve decisão que obriga o Município de São José dos Quatro Marcos a pagar as diferenças salariais devidas a agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes de combate às endemias (ACE), que recebiam vencimentos abaixo do piso nacional previsto em lei federal. A decisão foi unânime na Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, que rejeitou o recurso apresentado pelo município.
A ação coletiva foi proposta pelo sindicato da categoria, com objetivo de assegurar o pagamento do piso salarial nacional, instituído pela Lei Federal nº 12.994/2014, e alterado pela Lei nº 13.708/2018. A sentença de Primeiro Grau reconheceu que os profissionais têm direito às diferenças remuneratórias relativas aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
Ao recorrer, o município alegou que os servidores são estatutários, submetidos a regime jurídico próprio, e que, por isso, não estariam obrigados ao piso nacional, que segundo a tese municipal, se aplicaria apenas a trabalhadores contratados sob o regime da CLT. A defesa também invocou a autonomia administrativa dos municípios e a existência de lei local que já preveria o piso.
A tese não foi acolhida pelo relator, desembargador Deosdete Cruz Júnior, que destacou que a Constituição Federal, em seu art. 198, § 5º, determina a instituição de um piso salarial nacional para essas categorias, com aplicação obrigatória a todos os entes federativos, independentemente do regime jurídico local.
O magistrado citou trecho claro da legislação federal, que fixa como salário mínimo o valor que "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras de ACS e ACE para jornada de 40 horas semanais" (Lei nº 12.994/2014, art. 9º-A).
A decisão também se apoia no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1132 da repercussão geral. Segundo a tese fixada pelo STF, “é constitucional a aplicação do piso salarial nacional dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, instituído pela Lei nº 12.994/2014, aos servidores estatutários dos entes subnacionais”.
De acordo com o relator, “a existência de regime jurídico próprio não exime o Município da observância do piso nacional, nem caracteriza regime híbrido, tratando-se de imposição constitucional e legal”. Ele também apontou que a alegação de que a lei municipal já previa o piso não afasta o direito ao pagamento das diferenças salariais nos anos anteriores, já que os valores pagos estavam aquém do mínimo legal.
O acórdão ainda rejeita a aplicação da Súmula Vinculante nº 37 do STF, que veda ao Judiciário conceder aumento a servidor público com base no princípio da isonomia. O relator observou que o caso em questão não trata de equiparação salarial entre categorias, mas sim de cumprimento de piso legal fixado em norma constitucional e de aplicação obrigatória.
Ao final, o colegiado negou provimento à apelação do município, mantendo a condenação ao pagamento das diferenças salariais vencidas e vincendas, com reflexos nas demais verbas, respeitada a prescrição quinquenal. Os honorários advocatícios foram majorados em 2% sobre o valor da condenação, conforme o artigo 85, § 11, do CPC.
A decisão reforça a obrigatoriedade do cumprimento do piso nacional como instrumento de valorização profissional e de garantia de políticas públicas de saúde. “A tese de autonomia municipal não pode servir de escudo para o descumprimento de norma federal de aplicação obrigatória, sobretudo quando se trata de garantia constitucional mínima de remuneração a profissionais da saúde pública”, concluiu o relator.