CRISTHIANE ATHAYDE

Morango do Amor tem dono

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Morango do Amor tem dono

Você acorda numa bela manhã e descobre que sua receita, aquela que compartilhou inocentemente nas redes sociais, virou febre nacional. Milhões de visualizações, compartilhamentos infinitos, pessoas lucrando com "sua" criação. O sentimento deve ser indescritível. Agora imagine perceber que o nome dessa receita já pertence a outra pessoa há 15 anos.

O Brasil inteiro recentemente se rendeu ao Morango do Amor. Morango fresquinho, abraçado por brigadeiro branco – entre outras variantes mirabolantes –, coroado com caramelo vermelho que reluz como rubis nas telas dos celulares. Uma explosão de sabor que conquistou tanto paladares quanto carteiras.

Confeiteiros correram para incluir no cardápio. Influenciadores criaram receitas "exclusivas". Empreendedores enxergaram cifras e mais cifras onde outros visualizavam apenas fruta. A tendência explodiu. O dinheiro fluiu. Mas enquanto todos surfavam essa onda doce, alguém observava de longe, sorrindo discretamente. A Peccin.

Em 2007, quando o mundo ainda descobria o que era iPhone, a Peccin depositou no INPI o pedido para registrar Morango do Amor como marca mista na classe 30. Em 2010, quando mal sabíamos o que era Instagram, o registro foi concedido. Hoje, prorrogado até 2030. Ou seja, uma das seis maiores indústrias de chocolate e doces do país não brinca em serviço.

Você achava que estava criando algo inédito. Eles já vendiam seus pirulitos Morango do Amor em incontáveis esquinas, padarias, mercados, e conveniências espalhadas pelo Brasil. O recheio mastigável de morango, a cobertura – pasme – caramelizada... Tudo protegido, tudo registrado, tudo deles.

"Ah, mas é só um nome, né? Não vai dar nada". Essa frase ecoa na mente de milhares de pessoas que, neste exato momento, estão vendendo, promovendo ou lucrando com algo que acreditam ser livre para usar. É como construir uma casa em terreno alheio e encarar a dura realidade apenas quando o verdadeiro dono bate à porta.

A diferença é que, no mundo das marcas, essa porta pode ser batida a qualquer momento. E quando bate, geralmente vem acompanhada de advogados, notificações e uma conta bem salgada para pagar. Com 20 anos de experiência na área da propriedade intelectual, te alerto: ninguém quer e raramente está preparado para passar por isso.

A Peccin, detentora de marcas como Trento e Tribala, conhece bem o jogo. Eles não precisaram berrar, fazer escândalo ou processar ninguém... ainda. Apenas observam sua marca ganhar uma visibilidade que nem o melhor publicitário do mundo conseguiria comprar. Mas e se decidissem agir?

Quantos negócios que despontaram com o Morango do Amor teriam que repensar toda sua estratégia? Quantos influenciadores teriam que apagar conteúdo? Quantos empreendedores descobririam que estavam construindo seu sucesso estelar sobre areia movediça?

Vivemos a era do viral, em que uma receita pode explodir da noite para o dia e fazer pessoas comuns se tornarem empreendedores milionários. Só que também vivemos a era em que qualquer palavra, nome ou criação pode já ter dono no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). E logo, o direito ao uso comercial em território brasileiro.

O Morango do Amor viral é, sim, um fenômeno gastronômico. Entretanto, ele também é um espelho da nossa relação descuidada com a propriedade intelectual. É a prova de que, na pressa de surfar a onda, muitos esquecem de verificar se ela não está quebrando em território alheio. E o tombo, acredite, pode ser grande. Salgado feito mar.

A Peccin nem precisa dizer uma palavra. Sua marca registrada fala por si. E continuará falando, protegida e válida, até 2030, quando provavelmente será renovada. Enquanto isso, o Brasil segue apaixonado pelo seu Morango do Amor, sem saber que toda mordida carrega o gosto da lição mais antiga do mundo dos negócios: quem chega primeiro, fica com o nome. Entre o doce e o amargo, existe um simples registro no INPI.

*Cristhiane Athayde, empresária e diretora da Intelivo Ativos Intelectuais