LUCINEIA SOARES

Judite e a violência contra as mulheres

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Judite e a violência contra as mulheres

Quem passa pelo bairro Boa Esperança já deve ter se deparado com pichações contendo frases chulas e de baixo calão direcionadas a uma mulher chamada Judite.
Nas redes sociais, é comum encontrar questionamentos como: Quem é essa Judite? O que ela fez?

Esses questionamentos são naturais, especialmente em um estado como Mato Grosso, onde a violência contra as mulheres é uma realidade alarmante.

No entanto, o que chama a atenção é a ausência de investigações por parte do Estado para identificar o autor dessas pichações e, consequentemente, a falta de proteção a uma mulher que está sendo constantemente violentada.

As pautas relacionadas à violência contra as mulheres, como a diferença salarial no mercado de trabalho, o desemprego pós-gestação e a sobrecarga de funções em uma sociedade que ainda enxerga a mulher como única responsável por inúmeras atividades, continuam urgentes.

Infelizmente, muitas dessas lutas permanecem as mesmas há décadas. O feminicídio, por exemplo, segue sendo uma realidade assustadora. Vivemos em um dos estados que mata muitas mulheres, e essa violência extrema precisa ser constantemente discutida e combatida. Em 2024 foram 47 feminicídios em Mato Grosso, segundo Superintendência o Observatório e Segurança Pública da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso.

Se, há algum tempo, nos dissessem que estaríamos debatendo novamente esses temas, talvez não acreditássemos. No entanto, as questões estruturais persistem: as mulheres ainda recebem menos do que os homens, mesmo com a mesma qualificação.

Um caso emblemático dessa realidade é o de Maria da Penha, que, mesmo após toda a violência sofrida, ainda vive sob proteção policial devido a ameaças de homens que se sentem contrariados pela existência de leis que protegem as mulheres.

Somado a luta por manter direitos, há um movimento global da extrema direita que busca reduzir os direitos das minorias, incluindo mulheres, população negra, comunidade LGBTQIAPN+, pessoas em situação de rua, entre outros grupos.

E, ao falarmos dessas lutas, é essencial considerar que elas não são homogêneas. A luta vivida pela mulher negra, por exemplo, tem especificidades. A mulher negra ocupa a base da pirâmide social, recebe os menores salários e sofre mais violência. O feminicídio atinge principalmente as mulheres negras, representando 66% dos casos, segundo o

Quando a vida da mulher negra melhora, a vida de todas melhora. Afinal, se quem está na base da pirâmide tem acesso à educação, saúde e moradia, significa que toda a sociedade avançou. Por outro lado, quando as condições de vida da mulher negra pioram, a desigualdade se acentua, tornando a sociedade ainda mais injusta.

Muitas políticas públicas são criadas sem considerar essas desigualdades. Colocar um banco em um shopping para acolher vítimas de violência pode parecer uma ideia louvável, mas ignora o fato de que a mulher preta e periférica muitas vezes nem frequenta esses espaços. É preciso repensar essas ações para que verdadeiramente cheguem a quem precise.

Embora tenhamos avançado com a consolidação de leis e redes de proteção, enfrentamos constantes ameaças de retrocessos. Recentemente, por exemplo, houve uma tentativa de aprovar uma lei que aumentaria a pena para mulheres que abortassem em caso de estupro, tornando-a maior do que a do próprio estuprador. Esse absurdo só foi barrado graças à mobilização popular. Isso demonstra como é necessário estar sempre vigilante para evitar a perda de direitos.

As lutas feministas seguem urgentes em todo o mundo, especialmente diante do avanço de políticas que visam reduzir a proteção às mulheres e a outros grupos vulneráveis. Mas é fundamental que qualquer debate leve em conta um recorte racial, pois vivemos em uma sociedade historicamente estruturada pelo racismo. Ele está presente não apenas nas relações sociais, mas também nas instituições e nas políticas públicas.

É preciso ir às escolas, discutir isso com as crianças, adolescentes e jovens, para que a próxima geração saiba respeitar um NÃO de uma mulher.

Ainda há muito pelo que lutar, e essa luta precisa ser contínua em defesa de tantas Judites.

Lucineia Soares - Economista, Mestra em Política Social e Doutora em Sociologia