Nasci numa Cuiabá pequena, tranquila, onde todo mundo se conhecia.
A vida acontecia nas ruas, sem pressa.
As portas ficavam abertas, as conversas eram longas, e a cidade tinha um jeito humano de existir.
Foi ali que cresci.
O Bar do Bugre, do meu pai, teve grande influência na minha formação.
Foi ali que aprendi a ouvir.
Entre risos, causos e silêncios, comecei a entender as pessoas, suas diferenças e suas dores.
Aquilo tudo me ensinou muito sobre o ser humano.
Guardo com carinho as ruas de Cima, de Baixo e do Meio, as mangueiras, os amigos e as brincadeiras simples da infância.
Era uma vida livre, sem grandes medos, que me ensinou a conviver e a respeitar.
A vontade de ser médico foi nascendo devagar. Fui percebendo o sofrimento das pessoas simples e sentindo o desejo de cuidar.
Foi uma escolha mais do coração do que da razão.
A razão veio depois.
Ir para o Rio de Janeiro ampliou meus horizontes.
Lá entendi melhor o tamanho do Brasil, conheci a ciência de perto e aprendi disciplina.
A medicina me ensinou que nem sempre é possível curar, mas sempre é possível cuidar.
E talvez essa tenha sido a maior lição.
Escolhi caminhos que cuidavam da mente e do começo da vida, porque ali estão nossas maiores fragilidades.
Quando voltei a Cuiabá, encontrei um Brasil com muitas carências, mas também com grande vontade de avançar.
Sabia que teria muito trabalho pela frente.
Aceitei o convite para a Secretaria de Educação com receio, mas também com disposição para servir.
Acreditava que Mato Grosso precisava preparar caminhos para crescer.
A ideia da universidade nasceu dessa necessidade: formar gente aqui, sem precisar mandar nossos jovens para longe.
A criação da Universidade Federal de Mato Grosso foi obra de muitas mãos.
Muita gente ajudou, nem todos ficaram conhecidos.
Houve articulações importantes, algumas discretas, mas decisivas.
Era um tempo difícil, exigia cuidado em cada passo.
Ainda assim, a universidade nasceu também como parte de um projeto maior de integração do país.
Quando recebi o convite para ser o primeiro reitor, senti emoção e preocupação.
Faltava quase tudo, mas sobrava vontade.
O começo foi simples, improvisado, mas carregado de esperança.
Cada pequeno avanço era uma vitória.
Sempre trabalhei guiado pela emoção.
Acreditei que a universidade precisava ser humana.
Por isso, a arte também tinha lugar ali.
O teatro nasceu dessa certeza.
Mesmo em tempos difíceis, procuramos manter o pensamento vivo e o diálogo possível.
Nunca me preocupei muito com rótulos.
Fiz o que precisava ser feito.
Depois vieram outros cargos, outras responsabilidades.
A política ensinou que o cargo passa, mas o que fica é aquilo que se faz com honestidade.
A vaidade decepciona, o serviço verdadeiro compensa.
A escrita veio mais tarde, quase como necessidade.
Escrever alivia, organiza por dentro.
Mistura saudade, inquietação e alguma esperança. É também uma forma de cuidar da memória.
Sempre achei que o Centro-Oeste precisa ser mais ouvido.
Há muita produção intelectual fora dos grandes centros.
Gosto de autores que refletem em silêncio, como Fernando Pessoa, talvez por afinidade com quem observa mais do que afirma.
Vejo a universidade como ponte.
Ela precisa se aproximar mais das pessoas, ajudar o Estado a crescer com equilíbrio e responsabilidade.
Ciência e iniciativa caminham melhor juntas. A juventude tem um papel grande nisso tudo.
Hoje, olhando o tempo passado, sinto gratidão. Aprendi a aceitar o tempo e seus limites.
A criação da universidade continua sendo a lembrança mais marcante.
Ela sempre me emociona.
Se tiver que deixar algo, é só isso: cuidem bem da UFMT.
Ela nasceu de um sonho simples, feito com trabalho, emoção e compromisso.
Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado
