JUACY DA SILVA

Francisco! Um profeta santo

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Francisco! Um profeta santo

“A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor de seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz `a vossa: TERRA, TETO E TRABALHO para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: SÃO DIREITOS SAGRADOS. Vale a pena LUTAR por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra”. Franciscus, Discurso no II Encontro Mundial dos movimentos populares, na Cidade de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, nos dias 7, 8 e 9 de julho de 2015.

O mundo todo e não apenas a Igreja Católica está em luto pelo falecimento de nosso amado e querido Papa Francisco, que, ao ser escolhido Papa, mesmo sendo jesuíta, escolheu como seu novo nome Francisco, uma demonstração de que ao seguir o exemplo de São Francisco de Assis, marcaria seu papado por profundas transformações no magistério da Igreja, colocando os pobres no centro de suas preocupações, ao lado da Ecologia Integral e da construção de uma cultura de paz.

Como sacerdote, bispo, arcebispo e cardeal sua vida inteira, antes de ser escolhido Papa já se pautava pelo mesmo carisma que o marcou como o Papa da Sinodalidade, o Papa da Ecologia Integral, o Papa de hábitos simples, que tinha uma vida sem ostentação, sem luxúria, amigo dedicado dos pobres, longe dos poderosos e opressores, desde quando ajudou a fortalecer o movimento dos “padres das favelas” em Buenos Aires, o Papa da Juventude, pois acreditava na força, no idealismo e nos sonhos dos jovens, o Papa profeta que não se casava de criticar a Economia da Morte, os poderosos, os gananciosos e não apenas um crítico dos conflitos, das guerras, mas também um crítico das estruturas econômicas, sociais e políticas injustas que geram discriminação, pobreza, fome, violência; o Papa dos Migrantes, que acolhia de forma humana, samaritana e sabia entender as razões pelas quais as pessoas deixam suas terras, seus países em busca de uma vida melhor, o Papa do Ecumenismo e do diálogo inter-religioso, que via em todas as pessoas independente das crenças e religiões, irmãos e irmãs, todos e todas filhos e filhas de um mesmo Pai, que é Deus, merecendo respeito, empatia, dignidade e amor, enfim, não apenas a Igreja Católica, mas o cristianismo e outras religiões perderam um grande líder religioso e moral.

Para bem entendermos o legado do Papa Francisco, a quem eu considero um profeta do Século XXI, mas também um Santo, mesmo que a Igreja ainda não o tenha canonizado, pelas suas virtudes, qualidades e exemplo foram forjadas em um contexto, uma realidade concreta tanto da história da Igreja Católica quanto da realidade latino-americana e mundial, desenvolvendo paulatinamente seu profetismo e sua santidade.

Refiro-me primeiro ao Concílio Vaticano II, que promoveu um verdadeiro terremoto nas estruturas da Igreja Católica, que abriu espaço para a participação de leigos e leigas, abriu as portas da Igreja para ser realmente “o sal da terra e a luz do mundo”, abriu a Igreja para inserir-se nas grandes questões políticas e econômicas mundiais e locais, abriu a Igreja para ser pobre e estar ao lado dos pobres e não apenas ao lado dos abastados e poderosos.

Cabe também destacar que foi na esteira do Concílio Vaticano II que surgiu e floresceu a Teologia da Libertação, que, por divergir de uma certa “tendência” metodológica marxista, Mario Jorge Bergoglio, passou a defender a teologia dos pobres, sem o que denominava de “viés marxista”. 

Mesmo assim, os grupos conservadores dentro e fora da Igreja o acusavam de ser Padre, Bispo, Arcebispo, Cardeal e até mesmo Papa “vermelhinho”, quando ele insistia que sua mística, sua devoção e sua caminhada estava e sempre estiveram centradas na figura de Jesus, o Bom Pastor, o Bom Samaritano, Aquele que compreende o drama humano, não condena pela simples vontade de condenar, mas um Jesus misericordioso e magnânimo, como no caso da parábola da prostituta, prestes a ser apedrejada.

Além dessas qualidades que representam a docilidade de quem respeita e compreende as pessoas, não deixou de ser também um ser humano e não apenas o Papa, justo, que busca sempre a verdade e corrige os erros, as falhas tanto das pessoas quanto e, principalmente, a Igreja.

Foi por isso que o Papa Francisco enfrentou bravamente as forças conservadoras do Vaticano e da Igreja, a corrupção do Banco Vaticano, os escândalos da pedofilia dentro da Igreja; a discriminação que a Igreja ainda promovia contra determinados grupos como a comunidade LGBTQIA mais, os casais homoafetivos, os casais separados ou vivendo em uniões não sacramentadas pela Igreja, longe de condenar as pessoas, mas apenas o pecado , o Papa Francisco abriu as portas da Igreja para entender, compreender e aceitar as pessoas como filhos e filhas de Deus, nossos irmãos e irmãs.

Além de suas preocupações e amor pelas pessoas, o Papa Francisco também marcou a história da Igreja e também do mundo ao enfatizar, como São Francisco de Assis, que nós, seres humanos fazemos parte do meio ambiente, das obras da Criação de Deus.

Neste contexto, acercou-se de cientistas, ambientalistas para unificar os ensinamentos da Igreja ao longo de décadas e séculos no que concerne `a Ecologia integral, materializada na Encíclica Laudato Si e nas Exortações Apostólicas Querida Amazonia e Laudate Deum.

Em relação `a Amazônia continental demonstrou que é possível e necessário integrar as dimensões da sinodalidade e da ecologia integral. Foi por este discernimento que ousou convocar o Sínodo da Amazônia, abrindo as reflexões a partir das Igrejas e comunidades locais, passando para o plano das Dioceses, Arquidioceses de cada país Amazônico, agregando a nível da Pan Amazônia e, posteriormente, convocando todos os Prelados, bispos, Arcebispos e Cardeais da Amazônia, para irem ao Vaticano e durante semanas refletirem sobre os caminhos da Igreja na Amazônia.

Digno de nota foi sua Exortação Apostólica ao final do Sínodo quando apresentou sua colaboração pessoal, como Papa, ao escrever a Querida Amazônia, dirigida não apenas aos católicos, mas “ao povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade”, que, imagino eu, devem ou deveriam se preocupar não apenas com o destino da Amazônia, mas da Ecologia Integral, com a saúde do Planeta, com a crise climática, com a violência, e tantas formas de pecados ecológicos, sociais e estruturais.

Na querida Amazônia, Francisco fala de seus sonhos, quase como uma criança que imagina o futuro sem males, sem pobreza, com equidade, fraternidade e solidariedade. Mencionando o Sonho ecológico, o sonho social, o sonho cultural, o sonho eclesial, fala da necessidade de uma religiosidade que respeite as crenças e religiosidade dos povos indígenas, das populações tradicionais e, ao final, apresenta sua oração A mãe da Amazônia, demonstrando sua devoção `a Nossa Senhora, Mãe de Jesus, que também é a Mãe da Amazônia.

Para marcar também sua dedicação preferencial pelos pobres, seguindo os passos de Jesus e o Concílio Vaticano II, o Papa Francisco, ao final do Jubileu da Misericórdia, em 2016, instituiu o Dia Mundial dos Pobres, a ser comemorado anualmente pela Igreja no terceiro domingo de Novembro.

No primeiro Dia Mundial dos Pobres o tema, que indicava bem o rumo que se pretendia seguir, foi o seguinte “ Amamos, não com palavras, mas com obras/ações” e em 2024 o Dia Mundial dos Pobres teve outro tema profundo “A oração do pobre eleva-se até o Criador” e não foi por outra razão que já em 2015, quando da publicação da Encíclica Laudato Si, nos exortou dizendo/escrevendo “O grito dos pobres e oprimidos é também o grito da terra”.

Neste mesmo diapasão, ao reunir-se por diversas vezes com os movimentos populares enfatizou seu famoso tres “Ts”: Terra, Teto e Trabalho”, como direito universal das pessoas, para garantir a dignidade das mesmas.

Na Encíclica Fratelli Tutti, publicada em 03 de Outubro de 2020, fala sobre as sombras de um mundo fechado, Pensar e gerar um mundo aberto e não com cercas e muros, da necessidade de um coração aberto ao mundo inteiro, do diálogo e da amizade social, das religiões a serviço da fraternidade em um mundo dilacerado pela ganância, pela prepotência, pelos conflitos, pelas guerras, fala também da necessidade da boa política, sem corrupção, sem a busca apenas pelo poder e privilégios, sobre a hipoteca social que recai sobre o direito `a propriedadade privada.

Essas preocupações já estavam presentes na Encíclica Laudato Si, quando Francisco fala sobre a água, o clima, o ar, a terra, enfim, a natureza como parte do Bem Comum e não apenas como mecanismo de apropriação individual, na busca de lucro e acumulação de bens, capital e riqueza, em poucas mãos em detrimento das grandes massas excluidas, despossuidas que enfrentam fome, doença,sofrimento e morte.

Outra área que mereceu uma atenção especial do Papa Francisco foi a Juventude. Em sua primeira viagem apostólica, logo após ter sido eleito Papa, foi ao Brasil para participar da Jornada Mundial da Juventude, quando, em Copacabana mais de dois milhões de jovens, e também adultos, idosos, enfim, fiéis, puderam ve-lo e ouvi-lo ateentamente.

Quando Francisco criticou a economia da morte, principalmente o capitalismo selvagem, e, em seu lugar apresentou sua proposta de uma Economia da vida, solidária, que respeite a natureza, os consumidores e as futuras gerações, o seu chamado especial foi dirgido aos jovens, a quem incumbiu de continuar esta caminhada de luta por um mundo novo, um mundo melhor.

Prova disso é que ao lado da justiça ambiental, da justiça climática e da justiça social, sempre enfatizou a importância da justiça inter-geracional, ou seja, precisamos construir um mundo novo e quem vai ser presença ativa nesta luta é a juventude, inclusive as gerações que ainda virão daqui a duas, cinco décadas ou vários séculos.

Cabe também destacar a ênfase que Franciscus devotou ao longo dos 12 anos de seu Magistério Papal a construção e fortalecimento da Sinodalidade, destacando seus fundamentos de uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão.  Enfim, uma Igreja pobre para os pobres, uma Igreja em diálogo interno e também em diálogo permanente com as demais igrejas cristãs e em diálogo inter-religiso.

Só assim, poderemos superar os males de um mundo, um planeta e uma sociedade doente, indiferente `a vida e aos dramas de quem vive nas periferias materiais e também nas periferiais existenciais.

Este é Francisco, que, mesmo com sua morte nos deixa um grande legado que ttranscende as fronteiras do Vaticano e do catolicismo e deverá permanecer por muitas décadas e talves séculos, como tem sido com São Francisco de Assis, que neste ano de 2025 Celebramos os 800 anos de seu célebre Cântico das Criaturas.

O mundo todo rende seu tributo a “um Papa que veio do fim do mundo”, nosso irmão, primeiro Papa Latino Americano e Jesuita, que colocou os pobres, os excluídos, vulneráveis, a juventude e, principalmente a Ecologia integral, no centro dos Ensinamentos da Igreja.

Oxalá a Igreja Católica, os cristãos em geral, enfim, as “pessoas de boa vontade”, independente da crença religiosa possam honrar dignamente a memória e o legado do Papa Francisco, seguindo seus passos e refletindo sobre seus ensinamentos e exortações. Este será a forma, o gesto concreto de reconhecermos por um longo período o seu magistério.

Rezemos para que o novo Papa, da mesma forma que Paulo VI que, com a morte de João XXIII, deu contimnuidade e avançou nas reformas produzidas pelo Concílio Vaticano II, também o próximo Papa possa dar continuidade a até mesmo aprofundar esta caminhada da Igreja traçada e percorrida sob a liderança de Francisco, em todas as dimensões, principalmente em relação `a ecologia integral, a dignidade dos pobres e a esperança que ele depositva na juventude.

Só assim, podemos ver, sentir e o agir de uma Igreja Samaritana, Sinodal, em saída e profética! Descanse em paz, nosso irmão e mestre Papa Francisco! Um dia vamos encontra-lo na Eternidade!

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy  Whats app 65 9 9272 0052