Em operação conjunta realizada na última segunda-feira (15), o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF) resgataram 20 trabalhadores(as), um deles de 17 anos, em condições análogas à escravidão na Fazenda Eliane Raquel e Quinhão, no município de Nova Maringá, a cerca de 400 km da capital.
As vítimas foram contratadas pela T.F. Zimpel Ltda. para atividades envolvendo o corte e empilhamento de madeira. De acordo com o MPT, com base nas provas colhidas, ficou comprovada a responsabilidade solidária entre a Zimpel, que recrutou e manteve os trabalhadores em condições degradantes, e os proprietários da área rural, que comercializam a madeira e se beneficiaram diretamente da exploração irregular.
A força-tarefa constatou graves irregularidades, como alojamentos precários, não fornecimento de água potável para consumo e higiene, ausência de registro em carteira e não pagamento de salários. Além disso, os empregadores não disponibilizavam equipamentos de proteção individual e coletiva para a execução dos serviços. Houve, ainda, relatos de intimidação por pessoas armadas e restrição da liberdade de locomoção.
Precariedade
As condições de higiene e conforto eram precárias, segundo apontou a equipe de fiscalização. Em um dos barracos de lona e madeira utilizados como alojamento, um grupo de 13 trabalhadores dormia em camas improvisadas – em colchões velhos e sujos sobre tábuas e toras. Não havia piso e o chão era de terra batida.
Além de sujo, o local não possuía armários para a guarda dos pertences, os quais ficavam espalhados pelo chão ou pendurados. Em outro alojamento, as vítimas dormiam em redes, sem ventilação, e dividiam espaço com tambores de óleo e combustíveis, acentuando o risco de incêndio.
Os trabalhadores tomavam banho em um córrego com água turva, sem nenhuma privacidade, e muitos faziam as necessidades fisiológicas no mato, a céu aberto. A água para beber era imprópria para consumo humano, retirada de poços e áreas alagadas, contaminada e sem tratamento.
O preparo de refeições era feito por meio de um fogão também improvisado, construído com tijolos no chão. Da mesma forma, não havia refeitórios ou local adequado para conservação dos alimentos. A alimentação era escassa e inadequada, com relatos de que os trabalhadores estavam passando fome, sobrevivendo de açaí e caça de animais silvestres.
Providências
O procurador do Trabalho Gustavo Rizzo Ricardo, que acompanhou a operação, explica que restaram configurados todos os elementos caracterizadores da redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo, nos termos do art. 149 do Código Penal e da Instrução Normativa MTE n. 2/2021.
Como resultado da operação, os responsáveis firmaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT. No documento, tanto os proprietários da Fazenda Eliane Raquel e Quinhão quanto a empresa F. Zimpel Ltda. se comprometeram a cumprir uma série de obrigações de fazer e não fazer, sob pena de multa no caso de serem constatadas novas violações de direitos.
Além do pagamento das verbas salariais e rescisórias, que totalizaram R$ 418 mil, foi estabelecida uma compensação por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão, que será destinado ao Projeto Ação Integrada – Mato Grosso (PAI/MT). A título de dano moral individual, a quantia paga foi de R$ 200 mil (R$ 10 mil para cada trabalhador resgatado).
Paralelamente, a Auditoria-Fiscal do Trabalho emitiu as guias de Seguro-Desemprego Especial do Trabalhador Resgatado, que dão a cada uma das vítimas o direito de receber três parcelas de um salário-mínimo. Serão lavrados, ainda, os autos de infração correspondentes às irregularidades constatadas.
Dignidade
Para Rizzo Ricardo, reduzir um trabalhador à condição análoga à de escravo representa violação do princípio da dignidade da pessoa humana, em razão do descumprimento de direitos fundamentais, em especial os referentes à higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação e outros relacionados a direitos da personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador.
“O trabalho análogo ao escravo não será tolerado pelo Ministério Público do Trabalho e casos como este demonstram que o seu enfrentamento exige ação coordenada e imediata, assegurando não só a reparação dos direitos das vítimas, mas também medidas para impedir a reincidência”, pontuou.