No Brasil, a vigilância sanitária cumpre um papel fundamental para proteger a população. Sem fiscalização, não há garantia de segurança. Mas também é verdade que um modelo baseado quase exclusivamente em punição não melhora processos, não qualifica serviços e não aproxima o Estado da sociedade.
O país precisa encarar essa discussão com maturidade: é hora de evoluir de um modelo punitivo para um modelo orientador, preventivo e tecnicamente sustentável.
Quando o fiscal vira ameaça, o sistema perde
Durante anos, estabelecimentos de saúde — especialmente as farmácias — se habituaram a ver a fiscalização como um momento de tensão. Não deveria ser assim.
O medo constante de autuação cria um ambiente onde o profissional deixa de se concentrar no cuidado e passa a operar sob alerta permanente. Isso não melhora a performance sanitária.
Isso paralisa.
E quando um sistema paralisa por medo, quem perde é o paciente — o cidadão que depende do serviço de saúde para resolver problemas reais.
A orientação qualifica mais do que a punição
Os países que evoluíram os seus modelos de vigilância adotaram uma lógica simples:
⚬ Ensinar antes de punir
⚬ Padronizar antes de autuar
⚬ Prevenir antes de sancionar
E os resultados são claros: melhoria de indicadores sanitários, redução de infrações e aumento de segurança para a população.
Punição não educa.
Punição apenas corrige o passado.
Quem forma o futuro é a orientação.
Farmacêuticos carregam o peso da responsabilidade — muitas vezes sozinhos
No cotidiano, quem sente o impacto direto da fiscalização é o farmacêutico. Ele é responsabilizado técnica, ética e até civilmente. Mas é também quem, muitas vezes, não recebe treinamento adequado, não dispõe de manual atualizado e não tem suporte da empresa.
Mesmo assim, é ele quem responde diante do fiscal.
É legítimo entregar tanta responsabilidade a um profissional sem garantir, antes, o suporte necessário?.
A resposta é óbvia — e urgente.
A fiscalização moderna deve ser parceira do serviço de saúde
Fiscalizar não é “punir o infrator”.
Fiscalizar é “proteger a saúde pública”.
E isso só é possível quando fiscalização e estabelecimento não se enxergam como adversários, mas como integrantes de uma mesma cadeia de proteção.
O Brasil precisa avançar para três pilares:
Educação sanitária contínua
Visitas orientativas, guias didáticos, comunicação permanente.
Fiscalização justa, técnica e padronizada
Critérios claros, objetividade, menor variação interpretativa e decisões pautadas em risco sanitário real.
Punição proporcional e responsável
Necessária, sim — mas como consequência extrema, não como ferramenta primária.
Esse é o modelo que reduz risco, aumenta segurança e aproxima os profissionais do Estado.
O papel institucional: liderança, diálogo e visão de futuro
Como especialista em regulação sanitária, tenho visto que os melhores resultados não nascem da imposição, e sim do diálogo.
Quando o Estado se dispõe a orientar, o setor responde.
Quando constrói pontes, o profissional se engaja.
Quando explica, a farmácia melhora.
A vigilância sanitária brasileira é competente, tem quadros valiosos e atua com boa-fé.
O que falta não é capacidade — é estrutura de política pública.
Precisamos modernizar diretrizes, atualizar processos, integrar dados e reduzir distorções regionais que fazem o mesmo ato ser interpretado de dez maneiras diferentes no país.
É assim que se cuida de um sistema tão complexo quanto o da saúde.
Fiscalizar com humanidade é fiscalizar com eficiência
O Brasil tem uma oportunidade histórica de elevar a vigilância sanitária a um novo patamar: um modelo que protege, orienta, capacita e responsabiliza de forma justa.
Um modelo que entende que profissionais bem-informados erram menos.
E que serviços bem orientados oferecem mais segurança à população.
No fim, fiscalização não é sobre multar.
É sobre cuidar.
E cuidado se constrói com presença, técnica, responsabilidade e humanidade.
Luís Köhler é farmacêutico, especialista em Regulação Sanitária, conselheiro federal de Farmácia eleito 2027-30 (MT)