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Dossiê revela que contaminação por agrotóxico já afeta Livramento, agindo como “arma química” no Pantanal

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Contaminação de agrotóxicos causadas pelas lavouras de soja se expandiram no bioma Pantanal

Conteúdo/ODOC – Em Mato Grosso, 223 famílias foram afetadas diretamente com a contaminação de água por agrotóxicos nos municípios de Jaciara e Nossa Senhora do Livramento no ano passado. Ao todo, constam 8 ocorrências de conflitos agrários no Estado envolvendo o uso de água e atingindo 2.106 famílias, mas nada foi tão grave como a contaminação que impede as pessoas a consumirem um bem fundamental para a sobrevivência humana.

Consta na 38ª edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, elaborada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o caso de 25 famílias da comunidade Cumbaru, em Nossa Senhora do Livramento afetadas pela contaminação de agrotóxicos causadas pelas lavouras de soja, que se expandiram no bioma Pantanal.

O caso veio à tona em 30 de maio de 2023 com a publicação do “Vivendo em territórios contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado”, fruto de uma pesquisa implementada em sete territórios do Cerrado e que realizou análises toxicológicas ambientais sobre a qualidade das águas em comunidades dessas localidades. O dossiê foi uma produção da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Fiscais identificam área desmatada no Pantanal, após denúncia anônima [Foto : SEMA/MT]

Os 2.988 hectares de soja plantados na região têm trazido problemas de saúde aos moradores. Conforme o estudo, os moradores da comunidade tradicional cultivam mandioca, o milho e a banana e vivem à maneira antiga, com suas festas de santos, das danças e cantos como o cururu e o siriri, celebram a cultura que também une quem ali vive.

Parte da renda das famílias provém das empresas vizinhas, que empregam os moradores locais e, ao mesmo tempo, exploram suas fontes de água mineral. Nas águas que atravessam a comunidade, seja nas nascentes, mina d’água ou no pequeno reservatório, utilizado de forma coletiva, os moradores têm enfrentado a contaminação por agrotóxicos, devido à pulverização realizada nas lavouras de soja localizadas nas proximidades.

Além das águas, a contaminação é vivida nos corpos: dores de cabeça, mau cheiro e dificuldades de dormir são relatos cotidianos dos moradores, especialmente entre os idosos.

As 198 famílias do acampamento Renascer, em Jaciara, também vivem a restrição do acesso à água, devido a contaminação por agrotóxicos. Apesar da criação do assentamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2004, até o momento as famílias estão sob a lona preta, em função da grilagem por usinas, e agora vivem espremidos numa estreita faixa de terra entre plantações de soja.

“Eu tenho maracujá, feijão, tenho café, tenho galinha, tenho porco, tenho mandioca. Tem o milho, a banana. No ano passado judiaram muito da gente aqui. Dissecava a soja com avião e arrebentava com a gente aqui. A nossa produção ficou praticamente zerada. Teve que começar do zero. Fizemos a denúncia, mas não surtiu efeito. Você vê o quanto prejudicou essas nascentes. Aqui é um lugar de muita nascente, onde vai ter que reflorestar tudo porque tem que preservar essa nascente para essa água voltar”, disse um dos acampados, José Tomaz de Souza Sobrinho, na publicação do CPT.

Agrotóxico como arma química

Um documento elaborado pelo CPT/MT expõe violações de direitos humanos como a utilização de agrotóxicos como arma química; contaminação da água, do solo e ar por meio de produtos químicos descartados em nascentes de rios e pulverização aérea de venenos sobre as famílias e suas plantações, privando as famílias de uma alimentação saudável e de sua fonte de renda, além de levar ao adoecimento das pessoas.

O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, condição estimulada também pela isenção fiscal concedida aos agrotóxicos pelos governos federal e estaduais. Esse quadro se agravou com a aprovação do PL do Veneno, que passou a vigorar como Lei 14.785/2023. Resultado de um acordo político entre o governo federal e a Frente Parlamentar da Agropecuária, a nova lei concentra poderes nas mãos do Ministério da Agricultura e enfraquece o papel do Ibama e da Anvisa no processo de registro e autorização de novos produtos.

Apesar das numerosas e incisivas manifestações em contrário da comunidade científica e dos movimentos sociais, o novo texto considera aceitável até o registro de produtos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas. Os agrotóxicos podem ser inalados do ar contaminado com as pulverizações, ingeridos através da água e dos alimentos em cujo cultivo foram utilizados ou mesmo penetrar através da pele.

Os impactos sobre a saúde humana são muito diversificados, incluindo intoxicações agudas ou subagudas leves, moderadas ou graves, com sintomas gastrointestinais, dérmicos, neurológicos, pulmonares, imunológicos, hepáticos e renais. As regiões que mais notificam intoxicações agudas por agrotóxicos são áreas onde predomina o modelo produtivo do agronegócio, nas quais houve um aumento de notificações por intoxicações causadas por herbicidas (Roundup, Furadan, 2,4-D, Regent, Aldrin e Furazin).

“A restrição ou a perda do acesso à água de qualidade inviabiliza ou desarticula modos de viver e produzir, de curar e relacionar, estrangulando a própria possibilidade de vida. A disputa assimétrica entre os povos do campo e os agentes político-econômicos, afetam a terra, o território e os bens comuns. E o Estado, em seus diferentes níveis de governo – municipal, estadual ou federal –, não tem garantido os direitos conquistados em lei, assim como não tem demonstrado e exercido o necessário controle na gestão de nossas águas”, diz as pesquisadoras Dra. da Universidade Federal do Ceará, Raquel Maria Rigotto e Dra. da Fiocruz, Aline do Monte Gurgel, que assinaram o capítulo sobre conflito por água, na edição de 2024 do Conflitos no Campo Brasil.

Agronegócio predatório

Conforme a publicação, o modelo de produção do agronegócio espolia terra e território, destrói a biodiversidade com o desmatamento e as queimadas para implementar grandes extensões de monocultivos, intensivos no consumo de água. Sob o discurso do desenvolvimento e da geração de emprego, oferece condições de trabalho precarizadas e insalubres. Sendo dependente de fertilizantes químicos, expõe os trabalhadores a intoxicações agudas e efeitos crônicos, contaminando ainda as águas, o ar, o solo e os alimentos, e atingindo assim também as comunidades do entorno e mesmo remotas.

“Constitui, assim, perversas e violentas zonas de sacrifício, voltadas à produção de commodities agrícolas – como a soja, algodão, eucalipto, milho, cana de açúcar. Também a pecuária e a agroindústria compõem o agronegócio – carne bovina, suína e avícola, com seus frigoríficos, associadas a elevado consumo de água: são necessários 15.500 litros de água para a produção de um boi ou 200 kg de carne bovina”.

O modelo químico-dependente de agrotóxicos, imposto pelo agronegócio inclusive a médios e pequenos produtores, é marcado por profunda insustentabilidade, pois promove vulnerabilidades sanitárias, ambientais e sociais, que induzem nocividades que se externalizam em acidentes de trabalho, intoxicações e contaminação ambiental, com repercussões toxicológicas e ecotoxicológicas de curto, médio e longo prazo.

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