Após criticar o rosto, corpo e fotos de redes sociais de uma ex-vendedora, a proprietária de uma loja no interior de Mato Grosso foi condenada a pagar indenização por danos morais à trabalhadora. A decisão é do juiz Adriano Romero, da Vara do Trabalho de Juína, que reconheceu que as humilhações e comentários depreciativos violaram a dignidade da empregada.
A trabalhadora relatou que foi contratada em novembro de 2023 e que durante todo o contrato enfrentou um ambiente tóxico, marcado por ofensas constantes da dona da empresa.
Ela disse ainda que não teve alternativa a não ser pedir demissão, quando completava um ano de serviço. Na ação, pediu a reversão do pedido para rescisão indireta, o que garante a manutenção dos direitos trabalhistas, e indenização por danos morais.
A empresa, mesmo notificada, não compareceu à audiência inicial nem apresentou justificativa para a ausência, o que levou o magistrado a declarar a revelia e aplicar a confissão ficta, presumindo verdadeiros os fatos narrados pela trabalhadora.
Segundo a ex-vendedora, ela era alvo de constantes críticas pela sua aparência. Dentre outras ofensas, a proprietária dizia que o rosto dela era “feio e estragado por ter acne”, além de fazer comentários sobre seu corpo magro. Também fazia piadas quando a trabalhadora publicava fotos em redes sociais, chamando-as de “fotos de puta”. Em outra ocasião, chegou a rir dela diante de colegas, deixando-a constrangida.
Para o juiz, essas atitudes configuram violação à dignidade da trabalhadora e aos direitos da personalidade, previstos na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “O ordenamento jurídico não autoriza o empreendedor a traçar comentários sobre a perfeição e/ou harmonia do rosto e/ou do corpo de qualquer empregado e, tão menos, expor trabalhadores a humilhações e constrangimentos no ambiente de trabalho, decorrentes da utilização de termos pejorativos de cunho sexual”, apontou na sentença.
O magistrado também ressaltou que os comentários revelavam preconceito e ausência de empatia, especialmente em relação a condições dermatológicas, além de reforçarem estereótipos de gênero ao associar a trabalhadora a termos pejorativos de conotação sexual.
Na decisão, o juiz frisou que a livre iniciativa não pode se sobrepor à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho, fundamentos da República. Ele destacou ainda que a empresa descumpriu o dever de garantir condições dignas e respeitosas de trabalho, em afronta aos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
A empresa foi condenada a pagar R$ 6 mil pelos danos morais. Ao fixar a indenização, o magistrado considerou a gravidade da conduta e a ausência de retratação espontânea, mas também levou em conta que não houve provas de que os episódios tenham se tornado públicos fora do ambiente de trabalho.
Rescisão indireta negada
A sentença negou, no entanto, o pedido da ex-vendedora de transformar sua demissão em rescisão indireta, indeferindo assim o pagamento das verbas rescisórias próprias da dispensa sem justa causa.
A trabalhadora alegava que, diante do ambiente tóxico e das humilhações sofridas, não teve outra opção senão pedir demissão em novembro de 2024. O juiz, contudo, entendeu que não ficou comprovado vício de consentimento na decisão da empregada. Para ele, o fato de ela ter permanecido na empresa por mais de um ano configurou perdão tácito, afastando a possibilidade de reversão da demissão.
A sentença reconheceu o vínculo de emprego desde 1º de novembro de 2023, e não apenas a partir de setembro de 2024, quando houve o registro formal. A empresa foi condenada a retificar a carteira de trabalho da trabalhadora e a pagar as diferenças decorrentes dessa alteração.