CASO ZAMPIERI

Diálogos revelam atritos e estratégias de lobistas por negociações de sentenças judiciais em MT

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Diálogos revelam atritos e estratégias de lobistas por negociações de sentenças judiciais em MT
O advogado Roberto Zampieri e Andreson Oliveira Gonçalves: 9 mil mensagens recuperadas pela Polícia Federal

FAUSTO MACEDO E RAYSSA MOTTA/DO ESTADÃO - Peritos criminais da Polícia Federal recuperaram nove mil diálogos, via WhatsApp, entre Andreson Oliveira Gonçalves e Roberto Zampieri, personagens emblemáticos do suposto mercado de sentenças que se teria instalado em Tribunais de Justiça.

‘Lobistas dos tribunais’ - alcunha dada aos dois pelos investigadores -, agiam em sintonia à sombra da legalidade em Cortes estaduais e também em gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça, onde teriam cooptado assessores para alcançarem decisões favoráveis a seus interesses.

Mas nem tudo era céu de brigadeiro na jornada dos lobistas. É o que revela a análise dos diálogos entre os dois no âmbito de uma reclamação disciplinar instaurada pela Corregedoria Nacional de Justiça após a ‘descoberta fortuita de elementos de convicção no aparelho celular do advogado Roberto Zampieri, vítima de homicídio na cidade de Cuiabá no dia 5 de dezembro de 2023.’ “Elementos foram colhidos cautelarmente em razão do risco de destruição ou de restituição do aparelho celular”, aponta o Conselho Nacional de Justiça.

Os peritos encontraram ‘desentendimentos’ entre os lobistas, especialmente quando casos em que recursos protocolados no âmbito de ações milionárias por disputa de grandes glebas de terras em Mato Grosso caíam em ‘mãos erradas’, ou seja, com algum desembargador que não fazia parte do esquema de propinas supostamente alimentado por eles.

O arquivo resgatado pelos investigadores contém 9 mil diálogos acumulados no período de 17 de junho de 2019 a 5 de dezembro de 2023.

A longa sequência de conversas dos lobistas indica que, em certas ocasiões, as boas relações davam lugar a cobranças ríspidas, desconfianças e dúvidas.

 Zampieri saiu de cena para sempre naquele 5 de dezembro de 2023, quando um pistoleiro de aluguel o atingiu com tiros de uma arma automática à porta de seu escritório de Cuiabá.

Andreson também não está mais operando. Ele foi preso na Operação Sisamnes - investigação a cargo do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, está em regime de prisão domiciliar.

Os investigadores se reportam a um episódio em que Andreson e Zampieri tiveram um entrevero por causa de um recurso da advogada Míriam Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves - mulher de Andreson.

No dia 11 de dezembro de 2019, Andreson enviou a Zampieri o modelo de uma petição de agravo de instrumento timbrada do escritório de Míriam. O documento deveria ser distribuído ‘por prevenção’ a um processo de relatoria do desembargador João Ferreira Filho, amigo de Zampieri e de quem teria recebido propinas e mimos, como relógios de luxo. Ao CNJ, o desembargador nega ilícitos e venda de sentenças. O Estadão pediu manifestação do magistrado. O espaço está aberto.

‘Pergunta se dá e valor’, escreveu Andreson, ‘indicando claramente possuir conhecimento da rotineira prolação de decisões judiciais mediante pagamento de vantagem indevida por parte do desembargador João Ferreira’.

Dessa vez, porém, algo não saiu como o planejado. Quem acabou tomando a decisão foi um outro magistrado, o desembargador Sebastião Barbosa Farias - seu veredicto, afinal, foi de rejeição ao pleito da advogada Míriam.

O desembargador indeferiu um pedido de atribuição de efeito suspensivo, o que acabou frustrando severamente Andreson - ato contínuo, ele escreveu a Zampieri. ‘Pô, eu jogo limpo com você’ E sai uma merda dessas. Quem decidiu foi o Sebastião. Moço, olha, era falar que não ia dar. Nem era o João (Ferreira)’

Zampieri tentou se explicar. “Andreson, deixa eu te falar uma coisa, eu te falei que o desembargador João não estava essa semana, lembra? Ontem a assessora não me disse que o desembargador Sebastião iria despachar’.

‘Você falou que tinha ido falar’, retrucou Andreson. ‘E fui’, afirmou Zampieri.

‘Foda’, insistiu Andreson.

Para tentar aplacar a ira de Andreson, o colega disse. “Agora eu vou esperar o desembargador João voltar e reconsiderar. Tenha calma, Andreson’

‘E que dia volta’, perguntou Andreson.

Zampieri sugeriu ao colega que já elaborasse o novo recurso. “Peça para (Mirian, a advogada), preparar o agravo regimental e dar entrada na segunda-feira’

Zampieri antecipou com absoluta convicção o resultado da nova investida. ‘Ele (desembargador João Ferreira Filho) vai reconsiderar. Aquele dia que falei com você eu estava com ele, no gabinete dele, ele sabe quem você é, resolve lá em cima, ele sabe que você resolveu o negócio do Jair e sabe que você é meu amigo’, escreveu Zampieri.

E reiterou, com a certeza de quem conhecia plenamente como girava a roda no gabinete de João Ferreira. ‘Prepare o agravo regimental e entra na segunda-feira. Vai ser reconsiderado.’

O Conselho Nacional de Justiça, para onde a PF encaminhou o acervo de 9 mil diálogos dos ‘lobistas dos tribunais’, avalia que, de fato, Zampieri ‘vendia a terceiros sua proximidade com o desembargador João Ferreira Filho, cobrando valores do beneficiado a título de ‘honorários advocatícios’, em razão da aludida intermediação’.