A pele escuta tudo. Ela sente quando estamos em paz, mas também denuncia quando algo não vai bem. Uma das formas mais silenciosas e, ao mesmo tempo, mais visíveis de sofrimento cutâneo começa justamente nas nossas noites mal dormidas.
É impressionante como subestimamos o poder do sono quando falamos de saúde da pele. Muita gente se preocupa com o creme ideal, com o tratamento mais moderno, com o que está em alta nas redes sociais. Mas esquece que, antes de qualquer intervenção estética, existe um cuidado muito mais simples, profundo e essencial: dormir bem.
Durante o sono, o corpo se organiza. Os hormônios se ajustam, o colágeno se recompõe, a pele se regenera. É um processo silencioso, mas incrivelmente poderoso. Quando esse ciclo é interrompido, tudo se desequilibra. Acordamos com a pele mais opaca, as olheiras mais marcadas, a sensibilidade aumentada.
E, muitas vezes, nem percebemos que a raiz do problema está no cansaço acumulado.
A ciência tem mostrado isso com cada vez mais clareza. Um estudo publicado na revista Clinical and Experimental Dermatology avaliou mulheres com padrões diferentes de sono e revelou que aquelas que dormiam mal apresentavam sinais mais acentuados de envelhecimento da pele.
Isso incluía menor elasticidade, maior perda de água pela barreira cutânea, pior recuperação da pele após agressões externas e, ainda, uma percepção mais negativa sobre sua própria aparência. Em outras palavras, noites mal dormidas não apenas envelhecem a pele mais rapidamente, como também afetam a forma como nos vemos no espelho.
Outro estudo, este publicado na Comprehensive Psychiatry, foi além da estética e investigou a relação entre qualidade do sono e transtornos como a tricotilomania (impulso de arrancar os próprios cabelos) e o transtorno de escoriação (hábito compulsivo de cutucar a pele).
Os pesquisadores observaram que pessoas com esses comportamentos compulsivos apresentavam qualidade de sono significativamente pior, associada a mais estresse, menor tolerância emocional e maior impulsividade. Em casos de tricotilomania, quanto pior era o sono, mais severos eram os episódios de arrancamento capilar. Ou seja, não descansar o corpo adequadamente também pode agravar quadros emocionais que impactam diretamente a pele e os cabelos.
No consultório, vejo isso todos os dias. Pacientes jovens com acne que não responde a tratamento, mulheres com pele inflamada apesar de uma rotina impecável de skincare, homens preocupados com a aparência cansada mesmo após procedimentos recentes.
Em muitos desses casos, a resposta não está em mais um produto ou em uma nova tecnologia, mas em algo muito mais básico: o descanso.
Fico pensando em como a medicina, e nós dermatologistas em especial, precisamos resgatar essa escuta mais ampla do corpo. Tratar a pele é, sim, falar de ativos, protocolos e ciência. Mas é também perguntar sobre hábitos, sobre rotinas, sobre qualidade de vida. Porque uma pele bonita não nasce apenas do que aplicamos nela, mas da forma como cuidamos do que a sustenta.
Dormir bem é um ato de autocuidado profundo. É oferecer à pele a chance de se renovar, de se fortalecer, de se manter saudável. Não há segredo ou milagre nisso. Só o compromisso com o próprio tempo, com o próprio ritmo, com aquilo que o corpo vem tentando dizer, mesmo quando a gente insiste em não ouvir.
Talvez, antes de buscar o próximo tratamento, a gente precise voltar ao essencial. E lembrar que, para acordar bem por fora, é preciso primeiro descansar por dentro.
Cíntia Procópio é dermatologista, especialista em rejuvenescimento com naturalidade. CRM: 5156 / RQE 2711