Como todo mundo sabe, a cidade não é um objeto que já nasceu pronta para uso imediato do cidadão. A cidade normal é uma grande obra permanente, fruto do trabalho do homem que a constrói para sua felicidade. Nem são os governos que a constroem.
A estes cabem as obras de interesse comum e a obrigação de coordenar essa construção coletiva. Quem a constrói de fato é sua população, do ricaço com seu palácio, ao mendigo com seu barraco, do grande shopping ao bolicho da esquina, da favela ao “chic” condomínio fechado. Obviedades.
Uma cidade saudável está sempre em metamorfose, não ambulante, mas sedentária, fixa, mas sempre em processo de transformação. A cidade de hoje é diferente da de ontem assim como a de amanhã será da de hoje. Seus sistemas de planejamento e controle devem refletir esse dinamismo como um espelho refletindo a realidade de cada momento. Sem essa reflexão contínua, uma “foto” atrás da outra, a cidade não será retratada de forma fidedigna.
Na minha recente e curta participação na equipe do prefeito Abílio Brunini tive como uma das incumbências a atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Cuiabá conforme exigido pelo Estatuto da Cidade (EC), uma a cada 10 anos no mínimo. Nosso último PDDU, redenominado “Estratégico”, é de 2007, 18 anos atrás.
A tarefa inicial então foi buscar os levantamentos referentes aos anos anteriores, não encontrados pois, segundo técnicos remanescentes do antigo Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU) o último levantamento completo sobre o município de Cuiabá é de 2010, publicados em 2012 no “Perfil Socioeconômico de Cuiabá – Volume VI”, belíssimo trabalho do IPDU, hoje desativado.
Restaram como referências os PDDUs de 1992, de 2007 e uma proposta de atualização para 2023 feita por empresa contratada pela administração anterior, não apreciada pela Câmara Municipal.
Em termos de reflexão técnica, Cuiabá foi descontinuada de 2010 para cá. Sumiu num período de 15 anos, um vácuo de conhecimento irrecuperável. Exemplares de anuários estatísticos de 1977, 1979 e de 1982 atestam uma involução técnica inexplicável neste setor. Por que naquele tempo tinha e hoje não tem?.
Sem o domínio da história não se projeta o futuro, condenando o presente a ser apenas um corretivo do que não foi planejado no devido tempo. Esta situação não pode voltar a ocorrer com uma cidade tricentenária, com um futuro de muitas potencialidades, centro de uma das regiões mais produtivas do planeta.
Proféticos foram nossos vereadores ao promulgar em 1990 a Lei Orgânica do Município de Cuiabá colocando um capítulo dedicado à Política de Desenvolvimento Urbano a ser implantada por um sistema municipal próprio, descrito com seus componentes na própria Lei maior, dentre os quais o CMDU e o IPDU.
A esperança hoje está em um prefeito jovem, arquiteto e urbanista, e um time de técnicos com domínio do assunto e na expectativa de uma nova administração trazendo como compromisso o CuiabáSmart, um programa integrador de todos os setores da municipalidade através de uma só base georreferenciada de dados, inclusive fazendo uso da IA de forma ágil, precisa e segura.
Só nessa perspectiva, com todos, inclusive o cidadão, compartilhando responsavelmente seus dados para o bem comum, podemos entender o recado profético dos vereadores de 1990, propondo assentar com firmeza as bases de um sistema de planejamento moderno, contínuo, democrático e resiliente a quaisquer novas tentativas de descontinuidades.
José Antonio Lemos dos Santos é arquiteto e urbanista, é professor aposentado