GABRIEL NOVIS NEVES

Cadernos de receitas culinárias da família

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Cadernos de receitas culinárias da família

Lembro-me com nitidez do caderno de receitas da minha mãe e da minha esposa.

As páginas eram escritas à mão, já amareladas pelo tempo, com manchas de gordura, açúcar e lembranças.

Ali estavam guardadas memórias de sabores que atravessavam gerações.

Muitas receitas carregavam o nome de pessoas da família.

No aniversário do meu pai, por exemplo, a sobremesa era sempre a ambrosia, receita herdada da mãe dele, doceira-quituteira de mão cheia.

Minha mulher, por sua vez, inventava sobremesas e às vezes as batizava com o nome de uma das suas cinco netas, como quem eterniza o afeto em açúcar e leite.

Com a chegada da internet, desapareceram os cadernos de receitas.

Hoje qualquer prato está a um clique de distância.

Como sinto falta da companhia de minha mãe Irene e da Regina, minha mulher, folheando na cozinha aquelas páginas marcadas pelo uso, numa tradição que o progresso tratou de apagar.

As moças de antigamente eram preparadas para serem donas de casa.

Hoje, por mais simples que seja o almoço, a sobremesa é comprada nas confeitarias, e não guarda memórias como as de antes.

É como se tivéssemos uma geração sem lembranças, onde a tecnologia tomou o lugar do sabor guardado no papel.

Outro dia, a cozinheira que trabalhou quarenta anos com a Regina, me perguntou seu eu havia guardado o caderno de receitas da família. Recheado de guloseimas, era um tesouro de ‘bem antigamente’.

Infelizmente desapareceu!.

Recordo, porém, algumas páginas.

No capítulo das sopas, havia a curiosa ‘sopa fria de ervilhas e pepino’.

Mais adiante, a ‘salada de palmito light’ e, entre tantas delícias, o ‘suflê de doce de leite’. Esses fragmentos são o que nos restou, vivos na memória.

Escrevo hoje sabendo que tenho sempre o passado puxando para as minhas raízes, como quem folheia um velho caderno invisível.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado