GABRIEL NOVIS NEVES

Brindando a vida

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Brindando a vida

Aceitei o convite da minha filha para o almoço do primeiro sábado de junho.

Sei que meu estado de saúde não permite essas extravagâncias.

Costumo almoçar com a cuidadora e, em seguida, vou direto para a sesta.

A reunião da família acontece uma vez por semana, mas logo deixo a sala — não janto e o lanche das sete da noite me é servido na cama.

Não me lembro da última vez em que almocei ou jantei fora.

Já testei: não me sinto bem quando saio de casa.

Dou um trabalhão ao motorista, à enfermeira e a quem me convida.

Mesmo em datas especiais — como Natal, Ano Novo e meu aniversário — mantenho a rotina de ficar em casa e dormir cedo.

Hoje, forcei a barra.

Sai do meu quarto, sentado na cadeira de rodas, até a casa da minha filha, a vinte minutos daqui.

Logo nos sentamos à mesa, com quatro convidados e o esposo dela.

Um filho e a esposa estavam em São Paulo. Outro, tinha um compromisso.

Meus netos e bisnetos estavam em aniversários de amigos.

Mas minha filha insistiu tanto, que acabei cedendo.

Já saí de casa sentindo um mal-estar. Mas insisti.

Não aproveitei a comida deliciosa, não conversei com ninguém e só pensava em voltar.

Joguei-me na cama por uma hora e levantei-me para escrever.

Será que ninguém entende a velhice em uma pessoa com saúde?

Sei que esses convites são demonstrações de carinho.

Mas a minha recusa precisa ser compreendida como um limite imposto pela saúde.

Doente não é só quem está internado em uma UTI.

Tenho muita saúde para minha idade, estou bem — mas tenho certas limitações.

A mais importante delas é a locomoção, mesmo em cadeira de rodas.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado