PRAZO DE 90 DIAS

Após morte de trabalhador em silo de grãos, fazenda terá que adotar medidas de segurança

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Após morte de trabalhador em silo de grãos, fazenda terá que adotar medidas de segurança

O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) obteve, na última semana, uma liminar em Ação Civil Pública (ACP) movida contra a Fazenda Porto D’Oeste Agronegócio Ltda., localizada na zona rural de Vila Bela da Santíssima Trindade, a 527 km de Cuiabá, e Karina Sanches Valério, a fim de garantir o cumprimento imediato de normas de saúde e segurança. 

As obrigações deverão ser comprovadas no prazo de 90 dias, sob pena de multa de R$ 25 mil por irregularidade constatada. Da decisão cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT).

Em abril deste ano, um trabalhador de apenas 38 anos foi vítima de um acidente fatal por queda em um espaço confinado de armazenamento de grãos. Segundo registrado no boletim de ocorrência, “testemunhas relataram que a vítima já havia encerrado seu horário de serviço, porém retornou ao poço do silo, após o jantar, a pedido do gerente, para fazer uma limpeza no local”.

Conforme apurado no inquérito policial ao qual o MPT teve acesso, a queda fatal decorreu da: (i) a ausência de grade de proteção no local, removida para facilitar a limpeza e retirada de grãos acumulados no piso, sem comprovação de ter sido instalado no local um Sistema de Proteção Individual contra Quedas (SPIQ), com ponto de ancoragem; (ii) a não utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) pelo empregado no momento do acidente; e (iii) a realização de atividade em espaço confinado sem supervisão e sem a presença de outro(a) trabalhador(a) para acompanhamento.

O MPT aponta que o laudo pericial citou lesões nos dedos das mãos compatíveis com tentativa de segurar-se em estruturas de contenção, demonstrando que havia, originalmente, uma barreira de segurança. “Constatou-se, ainda, que a retirada da grade foi promovida dias antes pela própria empresa, sob a alegação de facilitar a limpeza do ambiente. Todavia, tal conduta revela manifesta negligência, pois, após a remoção, não foram adotadas quaisquer medidas substitutivas ou compensatórias de proteção coletiva ou individual, deixando o empregado totalmente exposto ao risco iminente e previsível de queda”, salienta o procurador do Trabalho Bruno Choairy Cunha de Lima, que conduz a ação.

Tutela de urgência

A tutela provisória de urgência requerida pelo MPT foi analisada pela juíza Camila de Barros Lima Stambazzi, em atuação na Vara do Trabalho de Pontes e Lacerda, e deferida. O objetivo do pedido é evitar que novos acidentes ocorram. Na decisão, a magistrada afirmou que “a adoção de medidas imediatas em casos que envolvem riscos à saúde e segurança dos trabalhadores é compatível com a concessão de tutela antecipada em sede de ação civil pública, uma vez que a demora do provimento jurisdicional pode esvaziar a efetividade do direito tutelado”.

Para o MPT, como o gerente da fazenda tinha pleno conhecimento da chegada da carreta com soja, para descarregamento, e, não obstante, permitiu que o serviço fosse executado unicamente pelo trabalhador acidentado, a empresa assumiu, com tal conduta, o risco de expô-lo a risco extremo.

“No caso em exame, a empresa não apenas desrespeitou a norma de segurança como suprimiu a barreira protetiva, expondo o trabalhador a risco extremo e concreto. Trata-se, portanto, de uma morte que poderia e deveria ter sido evitada. O infortúnio não se deu por fatalidade, mas por omissão ilícita e culposa da empresa, que, ao retirar a grade de proteção sem qualquer medida compensatória, criou a condição objetiva que levou ao óbito do trabalhador", frisou o procurador.

EPIs

Na ACP, o MPT rebate a versão apresentada pela empresa de que o acidente teria sido culpa do empregado, que não fazia uso de equipamentos de segurança no momento da queda, asseverando que é dever legal da empregadora, nos termos do artigo 157 da CLT, cumprir e fazer cumprir as normas de segurança do trabalho, instruir seus empregados e fiscalizar a observância das medidas de proteção. “Ainda que a empresa tenha formalmente fornecido EPIs aos seus empregados, resta inequívoco que não exerceu qualquer fiscalização quanto à sua efetiva utilização, permitindo que atividades de risco fossem executadas sem a devida proteção.”

Choairy pontua que a simples entrega do EPI, sem controle, orientação ou fiscalização, não exime a empregadora de sua responsabilidade legal, pois o dever de segurança é amplo e contínuo, abrangendo fornecimento, treinamento, exigência e fiscalização, de forma a garantir a integridade física e a saúde dos trabalhadores. “Além disso, no caso do trabalho realizado em altura, o mero fornecimento de EPI é inócuo, se ausente, como no caso, ponto de ancoragem devidamente dimensionado, que tenha aptidão para proteger contra queda do trabalhador, conforme item 3.2 do anexo II da NR 35 [Norma Regulamentadora 35, do Ministério do Trabalho e Emprego]”, acrescenta.

Pedidos

Com a liminar, as rés deverão garantir, sob pena de multa, em todas as suas unidades de trabalho situadas no Estado de Mato Grosso, as seguintes obrigações:

(1) Manter, em caráter permanente, grades de proteção ou dispositivos equivalentes em todos os pontos com risco de queda de altura, vedada sua remoção, salvo em hipóteses estritamente necessárias à operação, com adoção simultânea de medidas compensatórias eficazes de proteção coletiva e individual (NR-35);

(2) Assegurar que o sistema de ancoragem utilizado em trabalhos em altura seja projetado e instalado sob responsabilidade de profissional legalmente habilitado, em conformidade com o item 3.2 do Anexo II da NR-35;

(3) Exigir o uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos aos empregados, conforme item 6.5.1, “e”, da NR-6;

(4) Abster-se de permitir a realização de qualquer atividade em espaço confinado sem a presença, no mínimo, de um vigia e um supervisor devidamente capacitados, conforme exigência da NR-33;

(5) Garantir que todo trabalho em altura seja realizado sob supervisão, nos termos do item 35.5.3 da NR-35.

Na ação, o MPT ainda pede que as responsáveis sejam condenadas solidariamente ao pagamento de dano moral coletivo de, no mínimo, R$ 500 mil. O pedido ainda será analisado pela Justiça do Trabalho.

O órgão salienta que restou evidenciada a responsabilidade solidária entre a Fazenda Porto D’Oeste Agronegócio Ltda, que explora economicamente o local, e Karina Sanches Valério, que registrou o trabalhador. “Mesmo que não configurado o grupo econômico, ainda assim a responsabilidade resultaria do mero fato de ambas as rés estarem exercendo atividades econômicas no mesmo local, prevendo o art. 17 da Convenção 155 da OIT. A responsabilidade das rés, portanto, é solidária, tanto pelo cumprimento das obrigações de fazer, como pelo pagamento da indenização devida.”