A casa de um idoso se parece com uma sanfona. Está sempre aberta para receber filhos, netos e bisnetos, mas, em certas ocasiões, como agora no Carnaval, todos viajam — e o capim cresce à sua porta.
Minha filha e o marido farão um retiro espiritual no Paraná, numa cidadezinha próxima a Ponta Grossa.
Minha neta Camilla, com marido e os filhos, irá para Porto Alegre, onde celebrarão os 102 anos da sua avó materna.
Isabella outra neta, com marido e suas duas Marias, descansarão em São Paulo.
Meu neto e a namorada passarão o Carnaval no Rio de Janeiro.
Meu filho Ricardo e a esposa irão para Portugal, visitar sua filha Bruna e neto Lourenço.
E a Fernanda e o esposo deverão brincar o Carnaval na Chapada.
Outro filho, Fernando, e a mulher se divertirão no tradicional bloco carnavalesco ‘Turma da Lage”.
Minha neta médica e o marido colega de Faculdade, aproveitarão o Carnaval, para trabalhar em hospitais.
Nesses dias de solidão, converso com certos objetos antigos, como a cadeira de madeira de lei recostada na sala de visitas.
Por horas fico ali, de olhos fechados, pernas esticadas, braços descansando.
Penso na vida — e em como tudo passou tão rápido!
Meus filhos se casaram jovens e cada um seguiu seu caminho, longe de mim.
Minha mulher, há dezenove anos, foi chamada para habitar outro plano.
Com a idade prefiro ficar em casa. Raras são as visitas que recebo, geralmente de parentes próximos.
Gosto de ter a liberdade de dispensá-los quando o cansaço me alcança.
A sanfona, hoje em dia, se abre todos os sábados pela manhã.
É quando ouço a música da algazarra das crianças no ritmo da vida.
Sonho. Como é bom viver! Mas com o avançar dos anos, vejo a fita da chegada se aproximando de mim.
Lembro das pessoas que já se sentaram nessa cadeira espreguiçadeira para ler jornais, revistas e romances.
O que será que as fascinava naquela época?
Os primeiros anos da República?
Ah, como era belo o Rio de Janeiro antigo, que ainda cheguei a conhecer!
O sonho acabou.
Vou enfrentar mais um domingo de Carnaval, numa cidade que já não existe.
Gabriel Novis Neves é médico e ex-reitor da UFMT