GABRIEL NOVIS NEVES

Antigos carnavais

· 2 minutos de leitura
Antigos carnavais

A casa de um idoso se parece com uma sanfona. Está sempre aberta para receber filhos, netos e bisnetos, mas, em certas ocasiões, como agora no Carnaval, todos viajam — e o capim cresce à sua porta.

Minha filha e o marido farão um retiro espiritual no Paraná, numa cidadezinha próxima a Ponta Grossa.

Minha neta Camilla, com marido e os filhos, irá para Porto Alegre, onde celebrarão os 102 anos da sua avó materna.

Isabella outra neta, com marido e suas duas Marias, descansarão em São Paulo.

Meu neto e a namorada passarão o Carnaval no Rio de Janeiro.

Meu filho Ricardo e a esposa irão para Portugal, visitar sua filha Bruna e neto Lourenço.

E a Fernanda e o esposo deverão brincar o Carnaval na Chapada.

Outro filho, Fernando, e a mulher se divertirão no tradicional bloco carnavalesco ‘Turma da Lage”.

Minha neta médica e o marido colega de Faculdade, aproveitarão o Carnaval, para trabalhar em hospitais.

Nesses dias de solidão, converso com certos objetos antigos, como a cadeira de madeira de lei recostada na sala de visitas.

Por horas fico ali, de olhos fechados, pernas esticadas, braços descansando.

Penso na vida — e em como tudo passou tão rápido!

Meus filhos se casaram jovens e cada um seguiu seu caminho, longe de mim.

Minha mulher, há dezenove anos, foi chamada para habitar outro plano.

Com a idade prefiro ficar em casa. Raras são as visitas que recebo, geralmente de parentes próximos.

Gosto de ter a liberdade de dispensá-los quando o cansaço me alcança.

A sanfona, hoje em dia, se abre todos os sábados pela manhã.

É quando ouço a música da algazarra das crianças no ritmo da vida.

Sonho. Como é bom viver! Mas com o avançar dos anos, vejo a fita da chegada se aproximando de mim.

Lembro das pessoas que já se sentaram nessa cadeira espreguiçadeira para ler jornais, revistas e romances.

O que será que as fascinava naquela época?

Os primeiros anos da República?

Ah, como era belo o Rio de Janeiro antigo, que ainda cheguei a conhecer!

O sonho acabou.

Vou enfrentar mais um domingo de Carnaval, numa cidade que já não existe.

Gabriel Novis Neves é médico e ex-reitor da UFMT