Uma linha imperceptível, que pode ser transposta a qualquer instante querendo ou não o ser humano. Deus concede a vida e devolve o homem ao pó, de onde foi extraído. Partidas acontecem antes mesmo que o feto veja a luz do dia. Jovens tombam. A terceira idade, moldada para o fim no dia a dia cumpre a jornada terrestre, às vezes por mais tempo do que os 70 anos citados pela Bíblia.
Estamos entre os que partem e os que ficam, sem que saibamos quando e como será nossa vez. Na sexta-feira (15) conversei por telefone com meu amigo e colega Anselmo Bruno de Carvalho Pinto. Na noite do domingo (17) recebi uma mensagem do nosso colega em comum, Edson Xavier; uma notícia amarga, desconcertante: Anselmo nos deixou. Aos 53 anos, em pleno vigor físico e no auge de sua capacidade intelectual.
Uma queda na solidão da vida, acompanhada somente por seus pensamentos e sentimentos. Mato Grosso perdeu um dos seus textos mais brilhantes, que Anselmo carregava de berço, aprimorados pelos ensinamentos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e o batente diário da redação.
O adeus de Anselmo aumenta a lista dos jornalistas que atuaram no Diário de Cuiabá e partiram. O jornal circulou pela primeira vez em 24 de dezembro de 1968, e em seus passos iniciais perdeu seu fundador e presidente, o jornalista cuiabano João Alves de Oliveira, que foi substituído pelo jornalista Adelino Messias de Mattos Praeiro, que tombou em 29 de julho de 2021, vencido pelo diabetes. No dia a dia da redação fomos perdendo colegas e noticiamos suas partidas como parte da dolorosa função jornalística de informar.
A cada adeus uma dor, um período de luto e a saudade permanente. Foi assim com Afrânio Carlos, Ailton Segura, Anselmo Pinto, Antônio de Pádua, Eraldo Lima, Evilázio Alves, Fablício Rodrigues, Gabriel Papazian, Gê Fernandes, Gilson Santana, James Fabiano, Joanice Pierini, João Bosquo Cartola, Jejé de Oyá, Jonas Jozino, Jorge Estevão, José Calixto, Luiz Acosta, Nelson Severino, Mário Marques, Martha Arruda, Maurício Barbant, Odally Ortolano, Pedro Ribeiro, Rosivaldo Senna e Sérgio Neves. Que todos descansem em paz. Continuamos por aqui, nem sempre unidos, enfrentando revezes, sofrendo derrotas, experimentando desilusões, mas seguindo o enigmático ciclo da vida enquanto nossa partida é preparada espiritualmente sem que saibamos para quando nem como.
Dentre os sentimentos que nos movem, a certeza de que nos reencontraremos, mas despojados de nossas funções e da imaginação de que sabemos algo. Deus nos levará. Não nos preocupemos quanto a isso.
Afinal, iremos para os braços do Criador, nos quais estão nossos colegas que se foram e que em festa recebem Anselmo Pinto, que partiu sem que tivéssemos algum indicativo de que seu adeus aconteceria numa tarde de domingo na ensolarada e abençoada cidade de Moreira Cabral, no coração da América do Sul, onde a florada do ipê chega ao fim cobrindo e colorindo suas ruas, num gesto reverente da flor nacional despedindo-se de um jornalista que sempre fez de seu texto uma bandeira de luta pela preservação ambiental.
Eduardo Gomes é jornalista e foi colega de redação de todos os citados no texto