Em 1992, ou seja, há 33 anos, aconteceram dois eventos significativos para o movimento ambientalista mundial e, particularmente, o brasileiro. Entre os dias 03 e 14 de junho de 1992, coincidindo com o Dia e a Semana Mundial do Meio Ambiente, foi realizada a II Conferência Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Sustentável), a ECO 92, no Rio de Janeiro, dando continuidade e aprofundando as discussões em torno de importantes temas analisados na 1ª Conferência Mundial, em Estocolmo (Suécia) em 1972.
O outro Evento que, na verdade, antecedeu `a ECO 92, foi a Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, realizada em Dublin, Capital da Irlanda, em janeiro de 1992, que estabeleceu os princípios básicos para a gestão da água, incluindo a Declaração de Dublin, que destacou a água como um bem económico e essencial para o desenvolvimento sustentável e também um direito universal da população.
Nesta Conferência também foi aprovada a Declaração Universal dos direitos da água, um marco significativo em relação `as questões da água e também do saneamento básico, as quais estão umbilicalmente interligadas. Não podemos falar de água deixando de refletir sobre a importância do saneamento básico e o oposto, também é verdadeiro.
Conforme enfatizado nas conclusões da Conferência de Dublin, a Declaração Universal dos Direitos da Água é um documento proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992. Essa declaração reconhece que o acesso à água potável como um direito fundamental de todos os seres humanos, independente de suas rendas ou situação socioeconômica, incluindo-se no conceito de bem comum a que todas as pessoas tem direito de usufruir e não apenas uma mercadora a ser comercializada no “mercado”.
Além disso esta Declaração de Dublin enfatiza a importância de proteger e preservar os recursos hídricos do mundo. Portanto, a Declaração foi criada para conscientizar governos, instituições, o empresariado e a sociedade civil sobre a importância da água e a necessidade de garantir seu acesso para todas as pessoas.
Mas, lamentavelmente, a realidade é bem outra tanto no mundo quanto a grande maioria da população, inclusive no Brasil não tem acesso `a água potável de qualidade e muito menos a coleta e tratamento de esgotos.
De acordo com relatório recente da ONU em 2024 em torno de 2,2 bilhões de pessoas não tinham acesso `a água potável/tratada e cerca de 3,6 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a saneamento adequado, incluindo coleta e tratamento de esgotos
No Brasil a situação também é vergonhosa, principalmente em relação `a coleta e tratamento de esgotos. Conforme dados recentes (Relatório de 2025), tanto do Instituto Trata Brasil quanto do IBGE, 32 milhões de pessoas não tem acesso `a agua tratada e utilizam água contaminada, inclusive por esgotos, para atender suas necessidades diárias.
Quanto ao saneamento básico a situação ainda é mais crítica. Segundo as mesmas fontes cerca de 90 milhões de pessoas não tinham acesso à coleta de esgoto, e dos esgotos coletados apenas 52,2% foram tratados, ou seja, praticamente metade da população não desfruta deste importante serviço, indispensável para uma boa qualidade de vida e a saúde humana.
De acordo com informações publicadas pela Agência Brasil há dois dias (19/03/2025) “Falta de saneamento provocou mais de 340 mil internações em 2024” com destaque de que as maiores vítimas são crianças e idosos que representam os grupos mais hospitalizados.
Diversos estudos apontam que para cada um real investido em água e saneamento básico representa uma redução de, no mínimo, cinco reais gastos com saúde privada e pública e em algumas regiões, como o Nordeste e a Amazônia, esta relação pode chegar a um real x dez reais em redução dos gastos com saúde.
Mas, lamentavelmente, nossos governantes, em todas as esferas: Federal, Estaduais e Municipais não entendem ou fazem que não entendem que acesso a água potável e saneamento básico são direitos fundamentais e constitucionais de todas as pessoas, inclusive os pobres, excluídos e oprimidos e não apenas um privilégio das classes média e alta, enfim, das elites dominantes.
O Instituto Trata Brasil anualmente elabora e publica um relatório da situação da água e do saneamento básico do Brasil e apresenta um “ranking” de como está a situação das cem maiores cidades do Brasil, incluindo as capitais.
Entre as 20 cidades melhor posicionadas apenas três são capitais: São Paulo, Goiânia e Campo Grande. Já entre as 20 piores estão, nada menos do que oito capitais.
Em relação a esgotos coletados e tratados algumas capitais, cujos representantes políticos são ou já foram figuras reconhecidas nacionalmente, com senadores, deputados federais, ex-governadores e até ex-presidente da República, estão em péssimas condições, inacreditável
Tres exemplos significativos merecem ser mencionados. Belém, que será a sede da COP30, o maior evento ambientalista deste ano no mundo tem apenas 2,38% de esgoto coletado e tratado e ocupada a 93ª posição no ranking entre as cem maiores cidades; Macapá, capital do Amapá “terra” do senador Alcolumbre, ex e atual presidente do Senado e do Congresso Nacional também permanece ruim na foto, ocupa a 99ª posição só perde para Porto Velho e está com apenas 8,1% de esgotos coletados; Maceió, “terra” do ex-Presidente, ex-Governador e ex-Senador Collor de Mello e do ex-presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lyra, ocupa a 89ª posição neste ranking.
O mesmo pode ser dito de outras capitais como Rio Branco, Porto Velho, São Luiz e também Várzea Grande, em Mato Grosso, berço político de dois ex-governadores e ex-senadores, que ocupa a 93ª posição neste ranking, onde mais de 70% da população não tem coleta de esgoto e outro tanto não tem acesso `a agua tratada.
Cuiabá, apesar do marketing em relação a água e esgotos, também deixa muito a desejar Apesar de ocupar a 50ª posição neste ranking, ainda, assim, 25% da população, mais 180 mil pessoas, principalmente dos bairros periféricos ainda convivem com esgoto escorrendo pelas ruas e tendo como destino final córregos, o Rio Cuiabá e o nosso “exuberante” Pantanal, que a cada dia esta mais degradado e em processo de morte.
A questão da precariedade das atuais redes, a falta de coleta e de tratamento, os esgotos são “lançados” diretamente na natureza, nos córregos, rios e outras áreas alagadiças.
O volume de esgoto não tratado representa mais de 5,2 mil piscinas olímpicas. Considerando que cada piscina olímpica comporta 2,5 milhões de litros, isto significa que diariamente a natureza está recebendo 13 bilhões de litros de esgoto “in natura”, não tratados e por ano este volume é de 4,8 trilhões de litros, dá para imaginar o tamanho do estrago que esta situação produz em uma, duas ou mais décadas e as consequências disso para a população.
Apesar do Governo Federal, há alguns anos ao sancionar o novo marco do saneamento básico, estimou que até 2033 tanto o abastecimento de água quanto a coleta e tratamento de esgoto estariam universalizados no Brasil, dados de pesquisas recentes tem demonstrado que, tendo em vista os atuais índices e volume de investimentos, esta meta só será atingida em 2070.
Até lá vários milhões de pessoas serão internadas e centenas de milhares irão morrer em decorrência de doenças decorrentes da falta de saneamento básico e, não precisa dizer que as maiores vítimas serão os pobres, excluídos, famintos e oprimidos.
A CNBB, ao definir a Ecologia Integral como tema da Campanha da Fraternidade e o Lema “Deus viu que tudo era muito bom”; coloca essas realidades para nossas reflexões críticas.
Só que a realidade mndial e brasileira, em diversas áreas da ecologia integral apontam um grande distanciamento entre o “Jardim do Édem”, a beleza das obras da Criação e o que a humanidade tem feito com o planeta,, movida pela ganância e interesses econômicos, a busca do lucro e a acumulação de renda, riqueza; razão pela qual precisamos questionar os atuais modelos econômicos que não respeitam nem os limites da natureza, nem os preceitos da Justiça Social, da Justiça Socioambiental e climática, os direitos dos trabalhadores, dos consumidores e muito menos os direitos das futuras gerações.
Como alguns astronautas tem enfatizado, vista do espaço, o planeta terra é azul, em decorrência de que 71% da sua superfície é coberta por água, sendo que desse total 97% estão nos mares e oceenos e apenas 3% são água doce e, pasmem, só 1% é próprio para o consumo humano.
Portanto, percebe-se que a água é um bem comum, muito escasso e para a utilização da água salgada são necessários muitos investimentos e tecnologia complexa que torna a água extremamente cara.
Voltando `as duas Conferência, a ECO 92 e a da Água em Dublin, foi nesta que surgiu a ideia, posteriormente aprovada pela ONU, para a criação do DIA MUNDIAL DA ÁGUA, a ser celebrado no dia 22 de Março, a partir de 1993.
O objetivo principal para as celebrações no Dia Mundial da Água é despertar a conscientização da população e também dos governantes e empresários e entidades da sociedade civil, sobre a importância da água e a necessidade de sua preservação e gestão sustentável para garantir a sobrevivência de todos os ecossistemas e a vida humana.
A água é fundamental para a sobrevivência de todas as espécies animais (inclusive a humanidade) e vegetais ( toda a biodiversidade), para a produção de alimentos e todos os bens industrializados, e, fundamental para a saúde humana, uma boa qualidade de vida e a dignidade humana, tanto individual quanto coletiva, cabendo neste particular a inclusão do saneamento básico, sem o qual as fontes e mananciais serão contaminados afetando a qualidade da água a ser consumida por animais, plantas e os seres humanos.
Diante da realidade de como estão as questões da água e do saneamento básico no mundo todo e no Brasil, em particular, não podemos ignorar os efeitos da crise climática, do desmatamento, das queimadas, da alteração do regime de chuvas, da degradação de todos os mananciais, rios, córregos e a destruição das nascentes, além da falta de investimentos, das perdas que em algumas cidades chegam a mais de 40% da água captada, precisamos aprofundar as reflexões e os debates em torno desses importantes temas.
Luta pela água e por saneamento básico é lutar pela vida, por dignidade humana é lutar por direitos fundamentais e constitucionais das pessoas. Para tanto é fundamental que esta luta seja através da Mobilização profética, no contexto de um melhor cuidado com a Casa Comum.
Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram profjuacy