Quando criança, eu acordava sempre disposto a tomar o café da manhã, vestir o uniforme e seguir para a escola na Praça Ipiranga.
As aulas começavam às sete e meia, e às onze eu voltava para casa, almoçava, tirava uma sesta, fazia as tarefas e depois brincava.
Hoje, apesar de dormir cedo, acordo às sete, ainda com sono, e demoro para engrenar.
Só depois da sesta o corpo e a mente parecem despertar de verdade.
Acho que não fazer nada cansa. O idoso está sempre com sono.
Lembro-me do meu pai. Quando fechou o bar, aos 77 anos, vestiu o pijama e passou a maior parte do dia deitado na cama.
Levantava apenas para as refeições, o banho, a leitura dos jornais, e as conversas na calçada, sentado na cadeira de balanço, em frente à porta da minha casa.
Era um hábito daquela época: as visitas eram recebidas nas cadeiras das calçadas,
Na rua do Campo, onde passei parte da juventude, guardo essas lembranças das rodas de conversa ao entardecer.
O governador Fernando Correa da Costa, primo-irmão de minha mãe, Irene Novis, tinha esse costume.
Nos períodos de solidão, quando sua esposa carioca estava ausente, após o jantar, ele saía para perambular pelas ‘portas de visitas’.
Sentava-se para uma conversa despretensiosa ou para orientar sobre algum tratamento médico.
Dr. Fernando era cuiabano. Fez o primário e ginásio no Liceu Cuiabano e formou-se em Medicina em 1926, na Faculdade da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.
Escolheu Campo Grande para morar e exercer sua profissão.
Foi sua competência médica que o levou à política.
Elegeu-se Prefeito de Campo Grande, depois Governador do Estado por duas vezes e, mais tarde, Senador da República.
Sua esposa, Maria Eliza Bocaiuva Correa da Costa, era carioca, nascida em Botafogo, neta de Quintino Bocaiuva, um dos fundadores da República.
As visitas solitárias do governador terminavam sempre no casarão de sua tia Codó.
Suas primas, das janelas, aguardavam ansiosas por sua chegada.
Ele entrava e se refestelava em uma confortável cadeira de balanço, na ampla varanda.
Aceitava doces e salgadinhos feitos pelas primas.
Quando voltava para casa, todos já estavam recolhidos.
Silencioso, atravessava a cidade adormecida e, pouco depois, chegava à Residência dos Governadores.
Assim eram meus despertar e meus adormecer — impossíveis de repetir nos dias de hoje.
Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado