A atuação do Estado, em qualquer de suas esferas, se concretiza por meio dos chamados atos públicos – manifestações de vontade da Administração destinadas a produzir efeitos jurídicos e a atender ao interesse coletivo. No entanto, esses atos não se legitimam apenas pela sua finalidade ou pela autoridade de quem os pratica; legitimam-se, sobretudo, pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição.
É nesse ponto que se insere a visão garantista dos atos públicos.
O garantismo, conceito amplamente difundido pelo jurista Luigi Ferrajoli, nasceu como teoria voltada à contenção do poder punitivo estatal no campo penal. Com o tempo, porém, seus fundamentos irradiaram para outros ramos do Direito, sobretudo o Constitucional e o Administrativo. A essência do garantismo é clara: nenhum exercício de poder pode se sobrepor às garantias constitucionais dos cidadãos.
Aplicar uma visão garantista aos atos públicos significa adotar uma postura de contenção e controle do poder administrativo, exigindo que cada decisão do Estado:
obedeça estritamente à legalidade, afastando arbitrariedades;
respeite os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;
assegure ao cidadão o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa sempre que seus direitos forem afetados;
preserve a finalidade pública como eixo central, não se desviando para interesses particulares ou político-partidários;
garanta transparência e possibilidade de controle social, fortalecendo a cidadania.
Essa perspectiva exige que os gestores compreendam que os atos administrativos não são meros instrumentos de gestão, mas expressões de um poder que deve ser exercido com responsabilidade, limitação e foco nos direitos fundamentais.
Ressalto a importância do garantismo na gestão pública:
Em tempos de crescente desconfiança da sociedade quanto às práticas estatais, o garantismo se apresenta como um paradigma de confiança. Ele assegura que o Estado não é um ente absoluto, mas um agente limitado pela Constituição e pela lei.
No campo prático, uma licitação, uma desapropriação, um concurso público, um contrato administrativo ou mesmo um ato de polícia só se consolidam como legítimos quando, além de atenderem à norma legal, respeitam os direitos dos administrados.
Portanto, a visão garantista de atos públicos é o caminho para um Estado democrático de direito efetivo, em que a supremacia do interesse público não se confunde com supremacia da Administração, e onde cada ato estatal se traduz em respeito e promoção da dignidade humana.
Éder de Moraes Dias - Ex-Secretário de Fazenda, da Casa Civil e da Copa do Mundo de Mato Grosso. Constitucionalista. Graduado em Direito, Economia, Administração e Gestão Pública