AÉCIO ORMOND

A Virgem em Corrupção

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A Virgem em Corrupção

Esta é uma crônica que retrata os costumes de uma sociedade que reluta a não se olhar no próprio espelho. Cansado de ouvir lorotas e não aguentar mais ver os níveis de hipocrisia das pessoas, que sempre apontam aos outros a sua própria torpe quando o tema é a conduta desonesta, resolvi fazer o papel de cientista social para observar, pesquisar e estudar o comportamento da conduta vivenciada em uma sociedade.

Já há algum tempo venho pensando em escrever algo sobre esse tema e o que mais me despertou para isso foi uma hipocrisia coletiva por volta dos anos de 2015/2016, quando surgiram em todo território nacional, movimentos de combate à corrupção (quero o meu país livre da corrupção; quero o meu país de volta), que levaram ao impeachment da Presidente Dilma Rousseff, por corrupção.

Ora essa, se a população foi para as ruas para derrubar uma presidente por conduta desonesta, porque no nosso dia-dia nos deparamos com tantas condutas desonestas???…

São os pequenos gestos e atitudes que transformam os costumes macros da sociedade em que vivemos. Aí vem a formação educacional e a herança que recebemos das nossas linhas ascendentes ao longo da vida e o que deixaremos de legado para os nossos descendentes, que darão a continuidade da vivência da sociedade.

Daí eu penso que as coisas consideradas banais para algumas pessoas é extremamente importante para o conjunto da sociedade e porque não dizer a cereja do bolo. Ou seja, o certo é certo, mesmo se todo mundo esteja fazendo errado.

O cidadão comum guarda no seu inconsciente que corrupção é tão somente as atitudes e ações emanadas dos agentes públicos, no exercício de suas respectivas funções. No entanto, não pesa sobre a sua consciência que os gestos, as atitudes e as ações desonestas suas no dia-dia são consideradas corrupção, e que tais comportamentos ajudam a turbinar a corrupção no sentido macro.

Sendo assim, a corrupção não é tão somente a má conduta do agente público no desempenho de sua função pública, mas também a má conduta do particular em sua vida cotidiana, onde não é nenhuma novidade depararmos com atitudes como as elencadas abaixo:

 ·Não fornecer nota fiscal;

·Não declarar Imposto de Renda;

·Tentar subornar o guarda para evitar multas;

·Falsificar carteirinha de estudante;

·Dar/aceitar troco errado;

·Roubar TV a cabo;

·Furar fila;

·Comprar produtos falsificados;

·No trabalho bater ponto pelo colega;

·Bater o ponto e não trabalhar;

·Forjar atestado médico para não trabalhar;

·Falsificar assinaturas;

·Estacionar veículo na calçada e/ou na vaga de idoso ou deficiente;

·Fazer gato em energia ou na água;

·Mentir ou ensinar o filho mentir;

Uma coisa que intriga a vida de muitas pessoas, no convívio rotineiro na cidade de Cuiabá, é quando se tem a oportunidade de passar em frente de algumas escolas particulares onde estudam os filhos da dita classe média local e nos deparamos com filas imensas de veículos desses pais de alunos, que se acham donos da rua ao pararem no meio da rua com seus carros, não se dando ao trabalho de estacionar seus veículos em locais próprios.

Agem como se o restante da população fosse obrigada a ter paciência com os mesmos, por terem pressa e não poderem estacionar seus veículos para depois pegar seus filhos nos portões dessas escolas.

Uma vez um certo vereador de uma cidadezinha do interior, diga-se de passagem que o vereador é o político representante da sociedade mais próximo do povo, foi questionado pelo eleitor o porquê do digníssimo vereador ter votado pela aprovação das contas do prefeito, uma vez que sobre este pairava denúncia de corrupção na sua gestão.

O nobre edil respondeu ao seu eleitor, com outra pergunta: “De onde você acha que vem o dinheiro que te ajudo, quando você me pede dinheiro para comprar sua receita médica ou até mesmo o gás que você me pede para cozinhar em sua casa??”.

Existe um ditado popular atribuído ao filósofo chinês de nome Confúcio, que viveu entre 552 e 489 a.C.: "A palavra convence, mas o exemplo arrasta.", significando que, embora as palavras possam persuadir ou influenciar, o exemplo praticado é mais poderoso e impactante na vida das pessoas.

A frase enfatiza que, para inspirar e mudar comportamentos, é fundamental demonstrar com a própria conduta o que se prega. Assim é fácil deduzir que o ser humano é dotado de costumes e quanto mais distante ele estiver das condutas éticas, mais vulnerável será aos impulsos contrários a essas condutas éticas. Daí a necessidade de se balizar a sociedade por regras de condutas humanas.

Entretanto, mesmo isso não é o suficiente para termos uma sociedade equilibrada quando o tema é a conduta humana. Por isso encontramos desvios de comportamentos em todas as esferas da sociedade e nas instituições que formam o Estado.

A sociedade é formada de células, e isso significa que cada família forma uma célula da sociedade. É das famílias que saem os cidadãos que vão fazer parte das instituições que formam o Estado. É das famílias que saem os pedreiros, os garis, os professores, os médicos, os policiais, os políticos, os juízes, etc.

Se esses cidadãos que vão ocupar as diversas funções da sociedade não forem dotados de boas condutas éticas, em qualquer lugar em que eles estiverem vão agir com condutas contrárias à ética.

No Brasil vemos um descompasso quando se fala em condutas desonestas ou corrupção. Parece que todo mundo só enxerga a corrupção quando praticada por políticos, se esquecendo das condutas desonestas praticadas pelos demais cidadãos da sociedade, ou melhor, dá-se um peso maior à corrupção praticada pelos agentes públicos, talvez pelo fato de o político ter mandato eletivo e por isso estar mais vulnerável às críticas. Ou talvez porque não queiramos olhar o nosso próprio umbigo...

A corrupção não é uma conduta desonesta somente do Brasil. Ou seja, nosso país não está sozinho nesse comportamento. O Japão, uma sociedade milenar, onde não se ouvia falar em corrupção, nos surpreendeu com uma matéria jornalística estampada nos maiores jornais do mundo, sobre a fuga do ex-presidente da Nissan Carlos Ghosn, um brasileiro de descendência árabe, nascido na cidade de Guajará-Mirim, no Estado de Rondônia/Brasil, que também possui nacionalidade francesa e libanesa, o qual fugiu do Japão em dezembro de 2019 para o Líbano.

Ele estava sob prisão domiciliar no Japão por acusações de fraude fiscal e desvio de recursos da empresa. A fuga foi considerada cinematográfica, com Ghosn sendo levado para o Líbano dentro de uma caixa de instrumentos musicais.

Portanto, a virgem em corrupção é uma crônica, quase uma paródia da vida como ela é, como já dizia o jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues. Será que diante desses mais diversos universos de emaranhados de comportamentos e condutas humanas, é fácil encontrar a virgem em corrupção em nosso meio???… Ou será que o telhado de vidro é mais óbvio do que se andar pra frente em nosso meio???…

Por Aécio Ormond