William Blake, poeta e visionário do século XVIII, afirmou: "Se as portas da percepção se abrissem, tudo apareceria como é". Esta frase ressoa profundamente na filosofia, na psicologia e na espiritualidade, questionando os limites da percepção humana e a capacidade de compreender a realidade em sua totalidade. Mas o que exatamente Blake quis dizer? E como essa ideia ecoa no pensamento contemporâneo?
A citação é extraída de O Casamento do Céu e do Inferno (1793), uma de suas obras mais enigmáticas e revolucionárias. Blake era um crítico ferrenho do racionalismo extremo e da visão mecanicista do mundo, predominante no Iluminismo. Para ele, os sentidos humanos são portas que filtram a experiência da realidade, e o que percebemos é apenas uma fração do que realmente existe.
O olhar sobre o mundo é condicionado por crenças, experiências e estruturas culturais que limitam a compreensão. Assim, Blake sugere que a realidade, em sua plenitude, nos é oculta por esses filtros perceptivos. Se as pessoas conseguissem romper essas barreiras – abrir as "portas da percepção" –, teriam acesso a um universo mais vasto e verdadeiro.
Essa ideia influenciou diversos pensadores e artistas ao longo dos séculos. O escritor inglês Aldous Huxley, por exemplo, utilizou a frase de Blake como epígrafe de seu livro As Portas da Percepção (1954), onde relata suas experiências com mescalina, uma substância psicodélica. Para Huxley, esses estados alterados de consciência permitiam vislumbrar uma realidade além da convencional, aproximando-se da visão espiritual do poeta.
Além da psicodelia, a citação de Blake dialoga com conceitos da fenomenologia, psicologia e até da física quântica. Filósofos como Maurice Merleau-Ponty investigaram como a percepção molda a experiência do mundo, enquanto Carl Jung explorou como arquétipos e o inconsciente influenciam a maneira de interpretar a realidade. Na física, teorias como a de múltiplos universos e a natureza probabilística da matéria sugerem que o que se percebe pode ser apenas uma camada da existência.
Mas quais são essas "portas" que impedem de ver a realidade como ela é? Pode-se identificá-las em diversos níveis:
Os sentidos humanos têm limitações. Apenas captam uma pequena fração do espectro eletromagnético e das vibrações sonoras, por exemplo.
As construções culturais, o modo como se aprende a interpretar o mundo, são influenciadas pela educação, sociedade e tradição. O que parece óbvio para uma cultura pode ser impensável para outra.
O ego e as emoções (medos, desejos e traumas pessoais) distorcem a visão da realidade. Apega-se a narrativas que reforçam as crenças, ignorando ou rejeitando o que as contradiz.
O tempo e o espaço passam por uma percepção linear, que pode ser apenas um modelo mental e não uma representação exata da realidade.
Se a visão de Blake estiver correta, então expandir a percepção significa libertar-se das ilusões e enxergar a verdade mais profunda do mundo. Mas como fazer isso? Algumas possibilidades incluem práticas contemplativas, arte e filosofia, ciência e tecnologia.
A frase de Blake convida a questionar se aquilo que se toma como realidade é, de fato, a verdade última. Talvez existam infinitas camadas da existência esperando para serem descobertas. Enquanto não se abrirem completamente as portas da percepção, permanece como prisioneiro das próprias limitações.
Assim, a busca pelo real é também uma busca pela expansão da consciência. Um desafio filosófico e espiritual que continua a fascinar a humanidade, buscando enxergar a realidade além do véu.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito