EMANUEL FILARTIGA

A marca e o sopro

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A marca e o sopro

“Isso vai estar em mim pra sempre, como uma marca, então já era doutor, vou pra cima! “. Um menino que assumiu matar pelo comando vermelho me disse isso na delegacia de polícia. Queria dizer coisas para ele, mas a vida não para, infelizmente, já que ela é tão rara.  

Resolvi escrever já que o papel aceita recortes e paralisa um pouco a vida, quando escrevemos com raízes. Queria dizer para ele que nada nos define, ou melhor, tudo nos define!. 

Nada separadamente nos conduz a nenhuma espécie de fatalidade imperiosa. Há alguma coisa que escapa ao passado. E eu juro para você menino, existe algo no presente e no futuro que escapa à fatalidade.  

Sim!. Eu sei que os que estudaram o ser humano profundamente disseram das marcas da infância, mas a relação entre o anterior e o que segue é uma relação de integração, uma relação da parte com o todo. 

Mesmo que eles queiram, e consigam às vezes, nada está fixado. A gente não é traçado definitivamente por um ato. O ser humano não é um ato isolado, não é um erro, não é uma filiação. Há sempre espaço para reconstrução, para reinvenção. 

Nenhuma experiência que vivemos permanece atuando de forma intacta na gente; ela é sempre revisitada e transformada pelo caminho da nossa vida. 

Mire e veja, menino, não estou dizendo que o presente suprime o passando, mas que tudo contribui para seu ser. Como disse Hegel, conservar transformando. 

Menino, leve em consideração tais possibilidades, preste viva atenção aos estranhos mitos da alma, observe o que acontece com você, esteja em concordância ou não com os pressupostos teóricos defendido por eles. 

O lado mítico do homem encontra-se hoje frequentemente frustrado. O homem não sabe mais fabular. E com isso perde muito. Para o coração e para a alma, essa atividade é como um sopro vital — um gesto que cura, que acalma, que devolve sentido ao sentir. Vai pra cima, menino 

Emanuel Filartiga Escalante Ribeiro é promotor de Justiça em Mato Grosso