A estrutura tributária brasileira é uma máquina de desigualdades, de concentração de renda e de exclusão, sem paralelo nos países desenvolvidos. Todas as tentativas de reformas para alcançar um patamar mínimo de justiça e equidade esbarram numa formidável fortaleza de interesses corporativos e seus representantes no poder político e nos círculos acadêmicos.
Para demonstrar minha afirmação inicial, basta assinalar que no Brasil, quanto mais rico um indivíduo for, menos impostos pagará proporcionalmente. Em contrapartida, quanto mais pobre for a família, maior será a fatia de sua pequena renda destinada a tributos. São dados extraídos dos censos e pesquisas do IBGE e dos estudos do IPEA.
Isso ocorre porque, ao contrário da quase totalidade das nações da OCDE, no Brasil a maior tributação recai sobre o consumo e serviços, chamados impostos indiretos, em vez de sobre o patrimônio e a renda, os impostos diretos. Os impostos indiretos têm como característica a regressividade, isto é, impactam mais as camadas de menor renda.
Por exemplo: um lanche composto de um sanduíche e um cafezinho. O tributo embutido nesse lanche é o mesmo para todos, independentemente se a pessoa tem renda de um ou de cinquenta salários-mínimos. Mas o impacto desse tributo em relação à renda total é cinquenta vezes maior para aquele que tem a menor renda.
Por sua vez, os impostos diretos são chamados progressivos porque, em tese, impõem maiores encargos a quem possui maior patrimônio. O Imposto de Renda cobra alíquotas maiores de quem declara maior renda. Em países capitalistas desenvolvidos, os impostos progressivos sobre o patrimônio compõem a maior parte da arrecadação.
No Brasil, além de terem um impacto menor, os impostos progressivos sofrem muitas distorções. Por exemplo, há estados em que um entregador de pizzas paga uma alíquota de IPVA para a sua motocicleta superior (até 3,5%) à do jatinho particular ou do iate de um milionário (até 1%). O professor tem o seu salário descontado do imposto de renda na fonte, mas o grande acionista que recebe milhões em dividendos como fonte de renda goza de 100% de isenção.
Essa distorção tem raízes seculares. A Constituição de 1988 buscou amenizar o problema prevendo a criação de um imposto sobre grandes fortunas, que atingiria menos de 0,2% da população, mas que jamais conseguiu ser aprovado no Congresso Nacional.
A recente reforma tributária de 2023 avançou muito pouco em relação à iniquidade fiscal porque seu principal objetivo era obter uma simplificação na cobrança dos impostos sobre consumo e serviços. E a nossa máquina de desigualdade segue calibrada para aprofundar as distorções sociais.
Outro aspecto merecedor de atenção são as renúncias fiscais. São bilhões em tributos que o poder público deixa de arrecadar em prol do incentivo a este ou aquele setor econômico, geralmente em troca do compromisso da geração de empregos, de novos investimentos etc. Todavia, com frequência tais compromissos não são cumpridos, nem cobrados, e benefícios que deveriam ser temporários perpetuam-se como privilégios incontestados.
É crucial refletir e debater acerca dessa máquina de desigualdades. Enquanto o discurso liberal-conservador clama pela redução da carga tributária sem questionar a sua estrutura regressiva e suas gritantes distorções, é fundamental apontar para o modelo adotado por nações desenvolvidas: maior tributação sobre o patrimônio e menor sobre o consumo, garantindo que todos contribuam na medida de sua capacidade, com mais transparência e controle sobre as renúncias fiscais.
Luiz Henrique Lima é economista, professor e conselheiro independente certificado